sexta-feira, 29 de abril de 2016

A Festa e os Casamentos





Mas a Festa das Cruzes era muito mais do que mencionei!
Já me contava a minha avó, eu ainda pequenote pensando só em correr no parque atrás da bola que quando caia no quintal da perpétua era navalha pela certa e a tristeza por longos dias de espera, que nova bola rolasse na estrada ainda de terra batida. Queria lá saber como ela conheceu o meu avô!
Mas dizia a minha avó, sempre chata pela altura das Festas das Cruzes, que era o momento único onde as cachopas como ela, deixavam os campos e rumavam em roupas de domingo, rumo à Festa tão aguardada trezentos e sessenta dias que levava o imenso ano.
 Os olhos brilhavam quando descrevia como se preparavam para tão importante acontecimento.
 Blusas brancas com folhinhos já amarelados, pelo secar ao sol estorricado nas eiras, depois de lavadas no tanque que servia de piscina para os irmãos, sossegar no infernal Verão.
  Com as saias cobrindo os joelhos, ai delas, levantar um pouco para mostrar o bronzeado que se mantinha todo ano, que raiva para as meninas da cidade.
  E o corpo a cheirar a sabão rosa, depois de um banho nos alguidares pendurados nos casebres onde se guardavam as batatas, o vinho e o milho. Colhido para todo o ano.
As unhas pintadas quase de nascença! Com o negro da terra que as viu nascer adornar as unhas duras de roer, pela labuta diária nas leiras alugadas.
O cabelo preso com ganchos de grande porte, já que cortar era proibido e o picho, uma moda que se impunha.
E chegadas ao campo da feira onde a barafunda festeira era o inicio de sensações proibidas pelas freiras catequistas, como pecado sem perdão. Logo os mais afoitos se chegavam para tentarem a única ocasião, de arranjar namoro e quem sabe juntar os trapinhos.
O pouco dinheiro que levavam, só servia para o algodão doce que se colava aos lábios, como desejos ainda escondidos pela pureza de uma virgindade que só era violada pelo casamento nunca chegado, para fugir ao jugo do pai tirano que constantemente embriagado, chicoteava a mais leve tentação de namorico perto de casa.
Mas a alegria da barafunda da Festa da Cruzes, compensava um ano martirizante, pedindo a Deus por entre terços e missa ao Domingo. Que as Cruzes, oferecessem o namorado pretendido.
 Levar o gado a pastar logo que o dia nascesse e apanhar batatas com as mãos como se fossem máquinas sem parança.  Merecia ao menos a alegria de arranjar um homem que fosse a esperança de criar família e semear o que mais tarde Deus quisesse, fosse colhido.
As horas avançavam e o relógio da igreja do Terço badalava o regresso.
Triste sina para muitas. Mas as mais afoitas, a trocar sorrisos tímidos com aquele que mais a agradou, tinham a consolação de eles as acompanhar um metro desviado delas, até à carreira do Linhares mais abaixo da Igreja do terço que anunciava o fim dos tão aguardados festejos.
Por entre acenos de mão já com elas, coladas ao vidro da carreira. E com a certeza de saber onde era a Freguesia. Ficava a promessa de logo no primeiro Domingo ir assistir à primeira missa do dia, para que não houvesse mexericos, já que ainda muitos dormiam. Para ficar pelo menos bem perto daquele sorriso tímido que com o tempo poderia dar em namorico.
Foi assim que a minha avó descobriu o meu avô, graças às Cruzes e infelizmente o casamento pouco durou já que o meu avô cedo se foi e das Cruzes o que ela me oferecia era, os doces regionais que eu adorava demais!



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