Mas
a Festa das Cruzes era muito mais do que mencionei!
Já me
contava a minha avó, eu ainda pequenote pensando só em correr no parque atrás
da bola que quando caia no quintal da perpétua era navalha pela certa e a
tristeza por longos dias de espera, que nova bola rolasse na estrada ainda de
terra batida. Queria lá saber como ela conheceu o meu avô!
Mas dizia
a minha avó, sempre chata pela altura das Festas das Cruzes, que era o momento único
onde as cachopas como ela, deixavam os campos e rumavam em roupas de domingo,
rumo à Festa tão aguardada trezentos e sessenta dias que levava o imenso ano.
Os olhos brilhavam quando descrevia como se
preparavam para tão importante acontecimento.
Blusas brancas com folhinhos já amarelados,
pelo secar ao sol estorricado nas eiras, depois de lavadas no tanque que servia
de piscina para os irmãos, sossegar no infernal Verão.
Com as
saias cobrindo os joelhos, ai delas, levantar um pouco para mostrar o bronzeado
que se mantinha todo ano, que raiva para as meninas da cidade.
E o
corpo a cheirar a sabão rosa, depois de um banho nos alguidares pendurados nos
casebres onde se guardavam as batatas, o vinho e o milho. Colhido para todo o
ano.
As unhas
pintadas quase de nascença! Com o negro da terra que as viu nascer adornar as
unhas duras de roer, pela labuta diária nas leiras alugadas.
O cabelo
preso com ganchos de grande porte, já que cortar era proibido e o picho, uma
moda que se impunha.
E chegadas
ao campo da feira onde a barafunda festeira era o inicio de sensações proibidas
pelas freiras catequistas, como pecado sem perdão. Logo os mais afoitos se
chegavam para tentarem a única ocasião, de arranjar namoro e quem sabe juntar
os trapinhos.
O pouco
dinheiro que levavam, só servia para o algodão doce que se colava aos lábios, como
desejos ainda escondidos pela pureza de uma virgindade que só era violada pelo
casamento nunca chegado, para fugir ao jugo do pai tirano que constantemente
embriagado, chicoteava a mais leve tentação de namorico perto de casa.
Mas a
alegria da barafunda da Festa da Cruzes, compensava um ano martirizante,
pedindo a Deus por entre terços e missa ao Domingo. Que as Cruzes, oferecessem o
namorado pretendido.
Levar o gado a pastar logo que o dia nascesse
e apanhar batatas com as mãos como se fossem máquinas sem parança. Merecia ao menos a alegria de arranjar um
homem que fosse a esperança de criar família e semear o que mais tarde Deus quisesse,
fosse colhido.
As horas
avançavam e o relógio da igreja do Terço badalava o regresso.
Triste
sina para muitas. Mas as mais afoitas, a trocar sorrisos tímidos com aquele que
mais a agradou, tinham a consolação de eles as acompanhar um metro desviado
delas, até à carreira do Linhares mais abaixo da Igreja do terço que anunciava
o fim dos tão aguardados festejos.
Por entre
acenos de mão já com elas, coladas ao vidro da carreira. E com a certeza de
saber onde era a Freguesia. Ficava a promessa de logo no primeiro Domingo ir
assistir à primeira missa do dia, para que não houvesse mexericos, já que ainda
muitos dormiam. Para ficar pelo menos bem perto daquele sorriso tímido que com
o tempo poderia dar em namorico.
Foi assim
que a minha avó descobriu o meu avô, graças às Cruzes e infelizmente o
casamento pouco durou já que o meu avô cedo se foi e das Cruzes o que ela me
oferecia era, os doces regionais que eu adorava demais!