domingo, 16 de outubro de 2011

O Inferno


Isto está muito difícil e todos dizem que vamos para um inferno!
Quando era pequenino, a minha mãe dizia que se me portasse mal ia para o inferno e não sabia onde ficava.
E a cada dia que passava, por entre joelhos raspados pelas pedras soltas do caminho, onde jogava o prazer que uma bola me dava. Tentava chegar a casa sem dor nem palavra, para a mãe não me apontar o dedo e dizer: “Portas-te mal e vais para o inferno”!
Jogava à malha, ao pião. Para ganhar uns fios de cobre, ou meia dúzia de cromos para encher ainda mais a caderneta, com todas as vedetas do futebol da época. Queria ganhar com o meu valor, mas não queria perder com a batotice dos outros. Por isso, algumas vezes a malhada acabava mal e uns murritos de criança eram trocados nos rostos de quem perdia a liderança.
Tentava chegar a casa triunfante mas escondendo as pisaduras da vitória, para a mãe não me apontar o dedo e dizer: “Portas-te mal e vais para o inferno”!
Ia à catequese dada pelas freiras velhas e secas. E à missa ouvir o padre que de quando em vez me apertava mais do que estava habituado.
Que esforço a que era obrigado. E já não chegava a mãe a matraquear a minha pequenina cabeça, ainda tão sensível, a apontar o dedo e dizer: “ Se não fores vais para o inferno”. Também levava com a freira e o padre, repetidamente: “Portas-te mal e vais para o inferno”!
Comecei a brincar às casinhas e aos médicos e enfermeiras, para descobrir as maminhas e a pombinha das garotinhas. Claro que elas queriam conhecer o meu pauzinho que crescia. Estava tão contente, tão contente de ver um corpinho tão pertinho, até ao momento, que a garotinha acabou com o brincar às casinhas, porque a mãe além de umas dolorosas palmadas, lhe apontou o dedo e disse: “Portas-te mais mal e vais para o inferno”!
O inferno sempre o inferno passamos a infância a ouvir essa monstruosa palavra!
Levei anos a livrar-me de ir para lá e eles passaram, com o inferno bem ao lado, do outro lado do meu pensamento, tamanho o desprezo que lhe deitei. Não sei porquê. Não o conhecia!
Até que os joelhos raspados e pedras soltas pelo caminho, surgem no meu dia-a-dia. E tenho a mãe a dizer: “ Porquê que vais para o inferno meu filho, se não te, portas-te mal”!
 As malhadas que levo nos cortes sociais e o lançar do pião dos impostos que sufocam sempre os mesmos. E tenho a mãe a dizer: ““ Porquê que vais para o inferno meu filho, se não te portas-te mal”!
Os governantes liderados por um padre e acompanhados pelos acólitos com freiras à mistura, lideram os meus destinos como se vivêssemos no tempo da outra senhora. E tenho a mãe a dizer: ““ Porquê que vais para o inferno meu filho, se não te portas-te mal”!
As casinhas são-nos roubadas pelo arrombo de um desemprego e os médicos e enfermeiras já não são os deuses da descoberta, quanto mais da cura. E tenho a mãe a dizer: ““ Porquê que vais para o inferno meu filho, se não te portas-te mal”!

Agora começo a perceber onde ele fica e sei quem o criou!

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