domingo, 24 de fevereiro de 2013

Há Geração que nos Seguirás...



Caminhava eu para casa ainda mal tinha digerido o almoço, depois do café viciante, quando me apercebo de uma agitação uns metros à frente.
Dois jovens, abraçados um ao outro!
Não num gesto de amizade. Mas num gesto de pura de violência!
Uns arbustos, era a arena onde eles descarregavam toda a raiva.
Prontamente lá cheguei e conhecendo um deles, tentei que terminassem com aquela cena de pugilato, que já empurrava muita gente para as varandas e passeios numa de assistir ao espectáculo e ver como ia terminar.
Um dizia que o outro bateu no irmão mais pequeno e em gestos de desafio, apertando as calças que ficaram sem o botão de as segurar, na refrega que ainda ia a meio roncava: só bates nos putos, bate-me a mim. A mimmmm, que não tenho medo de ti!
Então o outro esgatanhado no rosto, mais parecendo cristo cravado com a coroa de espinhos. De certeza, devido aos arbustos onde tinha momentos antes aterrado bem agarrado a ele, rosnava: - ele é que quase me batia com a bicicleta seu cabrao. E dá a correr, pé no ar e lança-se ao outro.
Meia dúzia de segundos de mais uns murros e toco a separá-los.
Parem com isso! Gritamos dois ou três que tentávamos dispersar os rapazes, perante dezenas que se refastelavam a assistir.
Em poucos minutos havia mais gente a assistir a dois jovens que se esmurravam arduamente, do que a alguns concertos cá na cidade.
Mais uma troca de piropos. Do calão mais vadio que se conhece da nossa língua. Mais uma corrida do que mais levava, ao encontro daquele que o esperava de punhos bem cerrados.
Era uma cena de pugilato como já há muito não via e confesso que me meti no meio pronto a levar também com um murraço que falhasse o alvo de um deles.
Só que desta vez os que estavam bem perto já não estavam para separar os pobres coitados e já assistiam pávidos e serenos. Era incrível como se deixava dois jovens esmurrarem-se num ódio sem barreiras, quando um dia antes lá os via encostados á entrada do café, numa cavaqueira própria de quem se conhece à longo tempo.
No fundo só eu é que estava ali no meio preocupado para que os putos se deixassem daquilo e parassem com o espectáculo feio, Muito feio! Horroroso, que envolvia dois miúdos. Porque hoje dois jovens na casa dos vinte anos não passam de miúdos.
Mas que se esmurravam violentamente, lá isso eu assistia!
Por fim o mais franzino e o que mais agilmente enfiava dois murros, enquanto o outro mais feroz mas menos lento, só tinha tempo de enfiar um, no meio dos dois que lhe acertavam bem no rosto. Seguiram os seus caminhos.
Um com o irmão atrás, de bicicleta, lá se afastou agarrado às calças para tentar arranjar uma solução para as segurar, visto que o botão voou como uma bala, na batalha dos arbustos.
Fungava e repetia vezes sem fim: - Eu não tenho medo dele! Eu não tenho medo dele. Eu não tenho medo deleeeeeee.
O outro com três amigos à volta pedindo para ele esperar uma oportunidade de o apanhar e aí trincá-lo todo (expressão usava pela miudagem já na vadiagem), tremia de raiva quase sem controlo. Camisola toda rasgada, mais parecendo um sem-abrigo miserável, gritava para que todo o mundo sentisse que ele era o maior: - Eu mato o gajo! Eu mato o filho da puta. Eu mato-o, mato-oooooo.
Para onde caminha esta juventude, pronta a despejar as amarguras de uma educação precoce, em violentos confrontos físicos que adquirem por vezes consequenciais terríveis.
Para onde caminha esta juventude, de jovens sem rumo! Onde um país, nada faz por eles e só se preocupa em aconselhá-los a imigrar num avião sem esperança e assim tentando despejar estes fardos (sim fardos!), nos ombros de países que ainda vão abrindo as portas, aos felizardos, num jogo de autêntica lotaria.
No dia seguinte bem cedo, quando me dirigia para ir comprar o pão da manhã, lá estava a camisola toda esganiçada, como o único vestígio de uma batalha de dois jovens, que se gladiaram, porque o outro ofereceu porrada ao irmão mais pequeno, que descia a rua de bicicleta sem mãos e segundo um deles quase ia contra ele.
Há geração que nos seguirás, neste rumo de um país sem saída!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Os Dias Passam.





Desciam o céu levemente, como se de penas branquíssimas se tratassem.
Num baloiçar harmonioso, que maravilhava quem presenciava e deliciava quem ainda a ele, tão recente assistia.
Era um espetáculo belíssimo, olhando bem à minha volta e vendo cair floquinhos, tao suaves que se desfaziam ao tocar o chão duro do gelo de à vários dias.
E o tempo estava tão frio a rondar os quatro graus negativos, já a tarde ia na hora do chá.
O espaço, em meu redor eram pedacinhos leves, levezinhos. Dezenas deles, bem perto da minha vista. Centenas deles a um ligeiro levantar de cabeça. E milhares deles, onde a vista podia alcançar.
Pousavam nos meus ombros e derretiam logo, logo. Antes penso eu, que lhes desse um chega para lá e se estrebuchassem no chão duro como pedra.
Não fazia isso, a flores voadores, que se transformavam em gotas de água pura, quando as recebia na palma da minha mão.
 Duro como pedra está o meu coração, sem calor para o aquecer, já que o amor está longe e nem os sonhos ajudam a aquecer este corpinho.
A distância é má conselheira para os lamentos amorosos e cada dia que passa a amargura estende-se como a neve pelas bermas da estrada, endurecendo com o passar do tempo, até que a temperatura aumente e espera-se o degelo e com ele venha o momento tão esperado e aguardado, do amor florescendo.
Amor, onde tu andas! Deixas-te de ser o avião da esperança e nem pelos canais da aproximação virtual, eu aqueço a minha ânsia.
Somos ainda novos para amar, mas idosos para suportar a distância severa e fria.
A Primavera irá trazer o renascer do verde, agora sob um manto branco onde só pisam os anjos, deixando mensagens indecifráveis, para estes olhos ainda impuros, as entender na sua plenitude.
O tempo é o melhor conselheiro, deixa abertas todas as portas, para escolhermos o momento, em abraçar docemente. Quem nos deixou entrar, mesmo sem estendermos a mão ao batente.
Os dias passam.
A neve leva-os, retirando-lhes a história de cada dia, passando-lhes uma página em branco por cima, para que nascem novamente, com esperanças de um novo dia.


  

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A Revolta é ao pé da Porta



Afinal o povo português é capaz de se revoltar e não se acomoda ao marasmo como muita boa gente quer fazer querer.
O problema é que se revolta e parte a loiça toda com a vizinhança ao pé da porta.
A crise delas (deles) é a vizinha da frente, construir um muro para cima dos metros permitido por lei e assim tapa a vista. Como é bom ter a vista sem barreiras para ver quem chega, quem parte, com quem chega e se parte sozinha.
Que bola de neve aqui se junta e umas horas depois já o bairro sabe, que pelas altas horas da noite. Mesmo uma noite de intenso nevoeiro, o vizinho abriu a porta a uma desvairada. Que merda vizinha, só queria que estes olhos vissem a cara dela, também vinha tapada dos pés à cabeça.
E assim se ultrapassa a crise no meio do carro do peixe, com cada uma e elas são quatro. Estas vizinhas beatas, a comprar chicharro barrigudo, para cozer para quatro bocas. E sardinhas miudinhas passadas por farinha, para as engordar e encher o prato. Já a transbordar pela caniças de arroz e mais arroz, porque o tomate é só uma amostra. Foda-se vizinha, o quilo já vai nos quinhentos paus antigos.
O pior até não é isto comadre, isto vai num abrir e fechar de olhos, a crise vai e vem, já dizia o meu falecido pai, que Deus o tenha bem pertinho ao seu manto. O pior são, aqueles cães raivosos de cima do meu tecto!
É barulho toda a noite, é gritaria a toda a hora. É palavras tão porcas, mas tão porcas. Que nem consigo aqui dizer. É de, olhe se digo, tenho que me confessar e isso com aquele capuchinho franciscano, que veio para ser o nosso padre, não faço. 
Mas só visto, que eu nem vejo, porque eles estão bem dentro de casa.
  Não consigo pregar olho, o meu Zé é voltas e voltas na cama. Olhe nem a policia faz caso já que quando lá vai, só o cão ladra, de medo.
Mas cá fora vizinha! Cá fora é que me dá uma volta cá à barriga. É braço dado bem apertado os estepores. É beijinhos a cada canto, que bem vejo com estes olhos que a terra há-de comer.
Vê como a minha crise, é, não poder dormir com estes caralhos, que não sei como é esta juventude e já não são novos, até já me disseram que quando namoravam já andavam à lostra por dá cá aquela palha.
Olhe, não adianta! Já fui ao presidente da junta, coitado pouco pode fazer. É por isso que voto nele. Que me disse já ter levado o caso até à câmara. Bom presidente lá temos, é da minha cor e do meu Zé e se queremos alguma coisa é votar na cor deles para nos governar, senão lá vem os comunistas, tirarmos a fé e passarmos fome todos os dias.
E vizinha, eu sei que a vida está cara! A quem o diz pobre mulher. Eu que tenho um filho desempregado e a reforma, a minha não, que é tao pequena que nem chega para os remédios cá do coração e dos ossos. Mas a do meu Zé, já foram roubar uns bons contos. É melhor falar assim para você fazer ideia.
A crise aguento eu, agora, a songa dali de baixo é que me tem posto a cabeça em água!
Anda para aí a dizer que eu disse que o filho dela vai-se disvorciar. Eu que nem conheço o rapaz, desde que ele foi viver para Braga.
Ouvir ouvi, uns zun zuns. Foi a vizinha dela que ouviu uma conversa e contou-me. Sabe que eu e ela somos unha e carne. O que eu sei ela sabe e do lado dela é a mesma coisa.
Agora eu dizer nada disse! Mas já que ela diz isso e passo pela fama, vou –lhe dizer: o rapaz coitado é só trabalhar de manha á noite e a mulher aquela mula que vive à custa dele e chupa-lhe todo o dinheiro. E agora quer se ver livre dele, parece que tem um amante, que vai deixar a mulher por ela. Pois nada faz e como não se cansa tem tempo para ir para o laró. E andar com a coisa a ferver!
À é verdade, já me ia esquecer! A vizinha do muro, aquela mula, que só por ter dinheiro pensa que compra tudo, mas não compra.
Fui à junta falar com o presidente. Coitado dele, nada pode fazer é da cor dele e logo uma família grande.
Até deu-me pena ele a dizer para ver se aguento, porque nas próximas eleições ele já não vai ser o presidente, aquela coisa da nova lei. Olhe, nem sei, nem me interessa. E quando vier outro ele disse para eu fazer queixa.
Só não quero que mude de cor, senão vem aí os comunistas e …….
Ó sabe da última! Lembrei-me agora por falar do Presidente.
Logo de tarde eu conto-lhe, apareça para o lanche, porque agora tenho que preparar o comer para o Zé e o filho, que nem emprego nem rasgos. Não sei o que vai ser dele, só espero que quando acabar o dinheiro do desemprego, ele vá trabalhar nem que seja no estrangeiro.
Ao menos este governo ainda dá o dinheirinho do desemprego. Se fosse os comunistas e outros iguais a eles, nem desemprego, nem reformas. Era o fim do mundo para nós.
Tenho que ir, tenho que ir.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Liberdade



Acabo de chegar. Tanto frio, tanto gelo!
Ontem menos sete graus, hoje menos quatro e o pior é o vento. Mesmo uma brisa é cortante, é demolidor!
É o tempo dele, dizem as más-línguas cá do sítio.
São muitas horas sobre este clima e não existe jeito em remediar.
 A Primavera ainda nem em sonhos é solicitada para não ofuscar os pensamentos mais frágeis e muito irá tardar, já que o Inverno ainda se sente rei e senhor do tempo.
Mas á que ser duros como diz cá um parceiro com muitos anos e toca a fazer a minha obrigação, revestindo as palas secas e escuras, de toques de midas, como só cá a gente sabe fazer.
Estou com uma constipação enorme. O meu nariz mais parece um caleirinho a deixar soltar, os líquidos e várias vezes recorro à manga para aliviar o incómodo. Depois de se esgotar os lenços de papel.
Nem consigo falar, estou rouco e a minha garganta de tanto inflamada, infiltra-me uma dor incomodativa, cada vez que tento engolir a saliva.
Homem que é homem não se deixa vergar ao primeiro impacto. Desafia o tempo e de peito feito (tão dorido), sente a adrenalina em crescendo, já que sente bem presente uma certeza!!!!!
Mas isto é a liberdade!
Liberdade depois de fugir de um país agarrado a esquemas mafiosos que engomam os colarinhos brancos. E enjaulam os que ainda fogem de ser sem abrigo, em caixas de cartão de dois metros para se refugiarem depois de ficarem sem tecto.
Liberdade de ser quem realmente sou, já que neste ambiente só a mim me posso agarrar.
Liberdade, depois de conseguir novamente ser útil profissionalmente. Depois de fecharem-me as portas de tudo o que anos a fio conquistei e face a isso, ser senhor do meu nariz.
Liberdade, em ajudar quem está próximo, mesmo aqueles que me apontavam o dedo como uma seta, dizendo: és um inútil!
Liberdade, em sair com quem sente prazer na minha companhia e passarmos umas horas a brindarmos aos filhos que fazem anos nesse dia.
Liberdade em chegar às horas que me apetece, sem ter as campainhas azucrinar os ouvidos, como pragas sem insecticida para as fazer cair para o lado.
Liberdade, sim liberdade! Mesmo longe de quem quero estar, sinto-me livre e com maturidade para enfrentar este país!