sábado, 31 de julho de 2010

O Puto é o Maior


A hora chegou de o puto mostrar os seus dotes artísticos.
A audição de oito meses de aulas de música chegava para fazer o balanço da prestação do garoto.
São onze anos tão meigos, tão puros que humedecem o coração da família. E como o dia chegou, as atenções eram todas para ele.
Bem cedo chegamos ao local da festa já com muitos miúdos ansiosos pelo inicio e trazendo pais, avós, irmãos e até os vizinhos mais chegados. Era uma festa para toda a comunidade.
Iniciou-se o desfilar dos sessenta e três alunos e como o meu rapazote era um dos últimos, a paciência dele acabou por esticar como uma corda e o nervosismo tomou conta dele.
Não havia meio de estar quieto e num rebolar na cadeira constantemente fazia com que nós pais e uma só amiga nos puséssemos a tentar sossegar o miúdo.
Finalmente para todos a sua vez chegou!
Pela voz da cicerone, o Duarte subia os quatro degraus que o levaram para os bastidores, para os últimos retoques musicais, antes de o pano subir e enfrentar a plateia pela primeira vez.
O miúdo é fantástico! É muito melhor que o pai, que com a idade dele nem por sombras enfrentava toda aquela gente.
É um prodígio dentro daquela escola e tocou como se tocasse, desde que deixou as fraldas.
Tentamos que quando ele entrasse, não manifestássemos qualquer gesto, qualquer palavra. Mas a amiga que andou com ele ao colo, não aguentou e num salto gritou bem alto o seu nome. E o puto olhando para o local do berro, sorriu e lá se foi sentar colocando-se a postos para a guitarrada a que tinha direito.
Emocionei-me!
Uma lagrimazita estava prestes a rebentar. O filhote tem estilo. Tem pinta para tocar e uma calma de espantar.
Nem imagino como ele viveu a ultima hora (das quase três que durou o espectáculo), estava com uma ansiedade gritante e nós para evitarmos não o massacrar, tivemos que morder os lábios e falar para dentro.
Mas o guitarrista deu conta do recado e até repetiu a canção, para quem sabe: premiar a longa espera e como louvor pela sua dedicação à música nestes meses que duas vezes por semana lá vai com a viola às costas, mais de meio metro acima do seu cabelito pelo passeio fora.
Palmas dos ainda que aguentaram tão longa e cansativa rumaria de apresentações e actuações. Bem merecidas e com direito a aplauso de pé.
O puto é o máximo tem a quem sair apesar, do pai ser só musico de ouvido.
Foi um dia longo mas espectacular para o miúdo, que teve um palco só para si com o professor a acompanha-lo.
Uma dupla que fica para a história. Que lhe vai longe a longe proporcionar reviver momentos, de ainda novo, na idade da chupeta açucarada. Ser capaz, com um à vontade de realçar tocar duas músicas como se de dois chutos na bola se tratasse.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Tu Longe e Eu Aqui Tão Perto


É belo, tão belo, expressarmos as nossas emoções!
Seja com um olhar, com um gesto, com uma frase direccionada à mulher amada.
A emoção carrega a necessidade de nos expressarmos. Porque o momento da despedida deixa um arrepio pelo corpo eriçando a felicidade desse momento.
Aquele olhar bem vincado no que eu dizia, obrigava-me a pausas cerebrais. Embora continuasse a dizer o que tinha para o efeito, mas o que contava era o encontro dos nossos olhos.
O teu sorriso expressivo enchia todo o espaço e dava alegria e beleza a quem sentia prazer em ter-te por companhia.
A tua voz desenterrou sensações e fez-se ouvir em forma de melodia!
És uma flor desabrochando no auge da maturidade e dás um majestoso colorido ao jardim que é o caminho, por onde passeias o teu peso em beleza.
Vou-te procurar, seja longe da vista, seja perto do coração!
Vou-te trazer pela mão de encontro ao nosso refúgio e olhar-te bem fundo para ler uma vez mais se os teus olhos transformam o pão do nosso almoço, em rosas presas nos dedos para perfumar o meu corpo.
Sei que estás perto, pertíssimo de te cruzares com a minha e também tua ansiedade, de pulares para os meus lábios.
Faltam horas, um dia …. Não mais do que isso! Por isso aqui estou mordendo os lábios, para segurar o grito que me denuncia. Não é que tenha receio de algo, porque tu és minha. Mas porque ninguém é digno de apanhar uma limalha deste nosso anseio em amordaçar-nos num só, logo que tu chegues vinda de uma porta andante que te empurra para mim à hora que indicas-te e eu lá estou esperando o tempo que for preciso.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Num Domingo de Intenso Calor




Juntamo-nos em família, depois de meses rogando para que isso acontecesse, mas engasgados pelo dramatismo de quem subiu bem alto ainda recentemente sem cordas para o segurarmos, deixando-nos fisicamente, não dando azo a reagrupar-nos como antigamente.
Mas desta vez escolhemos o mesmo local pela terceira vez e cada um com a sua bicicleta pedalamos pela Ecopista que nos levou até Ponte da Barca, num pedalar de 44km, ida e volta enquanto as tias tratavam do almoço, nós enfrentávamos o calor com o rio a rir-se da nossa loucura.
Na etapa de ida tudo eram sorrisos. Dava para tudo. Pequenos, jovens e menos jovens riam-se dos pequenos contratempos enquanto tudo eram rosas, mas mais para a frente já as bicicletas não obedeciam e o regresso prematuro era infelizmente o único destino.
Ficaram dúzia e meia de almas na chegada a Ponte da Barca e depois de dois finitos e um bolinho de bacalhau dentro do triguito que soube pela vida, toca a regressar para o almoço que distava 22km.
Logo os campeões da família nestas andanças de pedalada, tomaram a dianteira, num ritmo que não deixava hipóteses de ser seguido.
E claro o pelotão esfrangalhou-se e vi-me completamente só no meio daquele sol infernal e já sem forças para pedalar.
Senti os lábios a secarem como um naufrago e já com pouco discernimento, enganei-me no trajecto. E fui dar ao rio num caminho de encontros proibidos, porque os rodados dos automóveis eram bem visíveis.
Já não tinha forças para pedalar de volta ao local onde me enganei, por isso trouxe a bicicleta pela mão e encostei-a a um canto deitando-me na sombra de um chaparro do Minho, para descansar e tentar visionar o caminho de regresso num labirinto de três entradas, não contando com a que segui em frente: em frente para nada!
Ouvi vozes, ou pensei ouvir.
Deixa lá, alguém aqui chegará e logo retomo a pedalada. Por agora é descansar porque água nem vê-la, só a do rio e já estava longe.
Tornei a ouvir as vozes e como ninguém aparecia, resolvi indagar para me pôr daqui para fora senão o almoço já era.
Alguém piquenicava ali bem perto e claro o rio fazia as delicias dos pequenos uns metros mais abaixo. Pedi apoio para o meu regresso e como era esse o caminho certo, toca a pedalar que oito longos quilómetros me aguardavam.
Na façanha louca de chegar o mais rápido possível enfrentei a ferocidade no seu ponto mais alto do sol que queimava em dois segundos.
Claro não tinha sombra para fugir dele e numa secura doida visionei os últimos dois quilómetros, já com o rio apinhado de veraneantes que por baixo da frescura das árvores, que lhes deram um colorido através do enfeite pelas centenas de mesas a cheirar a frango e coelho estufados. Levaram-me a parar bruscamente e quase piedosamente pedir água a um casal que lamentavelmente me disse que não tinha. Eram só copos com restos de vinho.
Por fim, é, mesmo por fim! Cheguei pedalando custosamente, com o rabo tão dorido que mais parecia violado por uma mão cheia de capangas. Com os lábios colados pela baba seca, que me deixou numa figura a deixar reparos. E sem conseguir dizer palavra, dado só me ocorrer agarrar à garrafa da água, sentei-me tentando comer o que já estava colado ao tacho.

sábado, 24 de julho de 2010

A Morte é uma Ponte para o Nascimento!


A morte é uma ponte para o nascimento!
Chorai-a, mas tentem sentir o florir do que dela vai nascer.
Eu estive muitos anos sem perder ninguém desse modo e como tal não dava importância à perda. À separação abrupta, que de um momento para o outro nos bate à porta e entra com passos audíveis sem ser convidada a entrar.
Assim andei sem olhar bem no rosto daqueles que lhes viram fugir o elo de uma ligação. Que segurava as pontas da ponte onde a segurança em atravessar era só sorrisos infinitos. E que os fechou na redoma do sofrimento constante, teimando em viver nessa desconfortável perda.
E em pouquíssimo tempo, olhando ao tempo que mencionei, perdi 3 amigos bem chegados daqueles que nos levam um pouco.
Vi-os partir fechando os olhos para o fim das suas vidas. Depois de dias e dias presos ao milagre que não apareceu, já que nem o milagre os salvava.
Uns, a poucos momentos de se fechar o mundo para eles. Outros anunciando a travessia da ponte para o dia seguinte já esperando a sua vez, numa fila interminável para alcançar o outro lado. E senti a perda acompanhada pelo choro que me percorreu o rosto e inundou a alma.
Mas muito deles ficou!
Ficou uma vida desde que gatinhava e ganhei asas para voar pelas estradas da vida.
Numa intimidade irmã que acudia para tapar os fogos de uma juventude que levava os poucos haveres pontuais.
Ficou uma vida de constituir um lar, com a experiência e conselhos de quem por lá passou. Com amizade pura de uma ligação que glorificou, logo que os olhos se cruzaram.
Ficou uma vida de muitos anos a vê-lo crescer e amadurecer, construindo os alicerces do lar infelizmente sem terminar o hall de entrada, para que os descendentes inocentes da perda, pudessem abrir as portas de par em par ao pai que tanto batalhou para que o sol despontasse aqueles olhos tão azuis, de putos tão puros e irrequietos.
Hoje floresce o que deles brotou! Dando-me o suporte para meditar e alcançar o que nasce depois de eles atravessarem a ponte e aí a qualquer esquina, a qualquer local que nos cruzamos, a qualquer poiso onde nos confessamos. Sinto abertamente sem ajuda de influências de qualquer espécie, que a morte é uma ponte para o nascimento!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Os Anjos da Guarda


A propósito deste tocante relato, bem longe das nossas praias mas aqui ao lado na terra dos nossos vizinhos. Descobrimos gestos que nos dão a certeza de que o mundo pode ter anjos da guarda em qualquer canto, basta que alguém esteja no sítio certo à hora certa, apesar de tudo. E se esse alguém que está no sitio certo, se multiplicar por milhões em todo o globo. Podemos aspirar a que o sofrimento seja significativamente atenuado.
Este seu gesto reflecte a grandeza do ser humano quando num impulso salta para o amparo de quem está indefeso.
As lágrimas que esta senhora chorou, depois de tudo ter passado, são de revolta e ao mesmo tempo de consolação pelo gesto que teve, saindo bem do fundo do seu ser e afagando o pobre coitado, perdido naquele oceano de fúria.
O mundo é maravilhoso quando dele faz parte pessoas como esta senhora. Houvesse milhentas como ela e todos poderíamos saborear a areia macia da praia, vendendo e chupando gelados. E refrescar as ideias nessas águas refrescantes e convidativas, como deviam fazer alemães ainda pegados a uma memória catastrófica. E agentes da lei, prontos a descarregarem a raiva de uma extenuante profissão nos pobres desgraçados que vêm à procura de meia dúzia de euros para alcançar um futuro que está longe, tão longe, obrigando a custosos sacrifícios.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Chuva Apareceu para Lavar a Alma ao País


A chuva apareceu para lavar a alma ao país!
Um país mergulhado na penumbra da pedincha para fazer face às bocas esfomeadas por emprego e por subsídios que anos a fio foram o garante da subsistência do grosso da população.
Este país já só pode lavar a alma, porque o corpo está impregnado de sujidade que só uma enxurrada colossal o limpa dos enormes vícios tão densamente tatuados nas esquinas das milhares de ruas que pisamos diariamente.
Não acreditamos em ninguém! Dado que ninguém infelizmente nos aufere garantias para tal.
E pior que isso, é a falta de segurança das pessoas que nos governam. Elas próprias balançando a cada dia que passa, tentando mostrar uma realidade a anos-luz do que realmente se passa e sempre com a preocupação de esconder o futuro e focando incessantemente o dia que decorre para que o povo se resguarde no esquecimento do que irá vir a curto prazo.
Esse futuro que vai trazer nuvens negras, umas a seguir às outras, ofuscando o sol do aquecimento do corpo martirizado pelas constantes irritações sociais.
Como as mangas estão tão curtas para tapar a realidade do país, busca-se na redução das regalias sociais e na obrigatória paragem dos investimentos públicos, a forma de apanhar meia dúzia de migalhas para poupar no que monstruosamente se gasta. E com a subida de impostos directos; tantas promessas que viraram verdades cruéis. Mais os indirectos que não ferem muito porque passam muitas das vezes ao lado dos milhões que também não desapertam um botão para se porem à-vontade perante a realidade. Leva a que a água ainda chegue um pouco ao moinho já com os dias contados.
E assim vamos vivendo, porque só pensamos no dia de amanhã!
E ao pensar assim, uns enchem o saco numa de oportunistas de ocasião e enquanto permanecerem nos altos cargos, empoleiram-se no peitoril da janela do compadrio até lhes assegurarem o lugar desde logo nos quadros das grandes empresas e terminando o ciclo político que lhes reservaram, iniciam o novo cargo como se de um prémio pela enorme dedicação ao país se tratasse.
Dedicação essa carregada de incapacidade na maioria dos nossos governantes.
Mas como já milhentas vezes referi: só temos aquilo que merecemos e assim sendo cada um que se desenrasque e faça a festa, lance os foguetes e apanhe as canas!
Os que não conseguirem, que rezem na procura de um milagre.


terça-feira, 13 de julho de 2010

A amizade conquista-se.............


A amizade conquista-se ao primeiro gesto, ao primeiro olhar e vai solidificando com a convivência, com o conhecimento mais profundo porque se lê a alma de quem é nosso amigo!
Escrevi isto à meia dúzia de dias para ilustrar o que uma amiga por altura do seu aniversário representa para mim.
Uma amiga bem mais velha, sinal de maior experiência de vida, que passou pelos tormentos normais de meninice onde nada havia para matar a fome, porque pouco ou nada se ganhava, em tempos de escravidão, mal pagos e miséria quanto baste.
Assim ela cresceu, assim ela deu valor à vida e casou com quem na altura tinha à mão (ela e milhares delas), talvez fugindo ao rancho de irmãos que o lar suportava e deu os primeiros passos de mulher casada e mãe atarefada.
O tempo passou, a sociedade mudou e ela correu, correu mesmo muito. Em busca do melhor para os filhos.
Deu-lhes tudo ao seu alcance.
Tirou da boca para os saciar e assim abrir o caminho para que tudo tivessem. E logo que o futuro que ainda era longínquo mas com passadas largas batesse à sua porta, eles o pudessem agarrar com unhas e dentes e toca a trabalhar desfolhando-o como uma espiga que já enche os campos por este Minho fora.
Mas não se deixou ficar resignada com o futuro dos pequenos.
Não, longe disso! E olhando-se ao espelho com quem fala nos momentos penosos decidiu; quem sabe por um brilho desse mesmo espelho que duplica as imagens de quatro paredes, ir ela também à luta e agarrar as oportunidades que a vida lhe estava a proporcionar.
E pés ao caminho chovesse ou sentisse os ossos a enregelar, procurou um mundo novo e estudou, estudou.
Cada dia aprendia algo mais!
Do pouco português que aprendeu quando estudou, tempo tão distante que já foi levado pela muita água que passou pelas pontes não muito longe de onde vive. Hoje já o recuperou e melhor, é quase doutora perante o que sabia.
Fala inglês para poder enfrentar os desafios que a idade não põe limites e para visitar quem se instalou em terras de sua majestade, para continuar a caminhar lado a lado com o futuro, que é já ali, mas podem ser milhas e milhas de distância.
Tem vários certificados de aptidão, mas que não são de esperança, porque ela transformou-os em realidade.
Hoje vive como uma princesa. Não de conto de fadas, mas de simplicidade amadurecida e sabendo o que continuamente procura.
Está mais jovem e os anos não param de contar. É aquela amiga em que confiei os meus tesouros. Que caminha no meio da azáfama diária, sempre sozinha porque sabe que os seus botões são a sua companhia.
Resguarda-se de quem só se serve do compadrio e escorraça quem lambe as botas, só para apanhar as migalhas dos que roubam o alimento para encher aqueles estômagos bem arredondados presos pelas correias cintilantes, já sem furos para não os deixar rebentar.
Mas pára, sempre pára, com os amigos. Os amigos do peito hoje tão raros, mas que eu faço parte, para vaidade dela e minha….

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Sexta Etapa e Última



O dia da consagração!
O dia que encerrava um ciclo e abria outro que nos vai desabrochar o lado espiritual.
Dormimos ainda menos do que o costume e saímos logo em direcção aos doze quilómetros que faltavam para chegar ao cerne da questão. Nada mais, nada menos que o clímax da emoção.
Foram três horas de caminhada sem parar!
A pressa em chegar suplantou a necessidade em parar para recuperar forças.
Caminhamos uma hora onde a noite ainda dormia e por isso mal víamos o chão que pisávamos.
Iniciamos junto ao marco que assinalava os 12,495km e a cada mudança de direcção ele lá estava a dar-nos a informação.
Era um desalento saber que só se tinha caminhado duzentos metros, quando aparecia o marco a indicar-nos a direcção e os metros que faltavam para chegar ao céu de Compostela.
Claro que isso só acontecia porque estávamos ainda dentro da periferia e logo que entramos campos a dentro, só aparecia quilómetro a quilómetro.
Não ia lá muito bem, faltava-me o café para despertar e como desta vez o prior dispensou o briefing matinal, deixou-nos à nossa sorte, para que cada um imaginasse o momento à sua maneira.
Caminhei praticamente em silêncio num encontro comigo próprio, fazendo um balanço destes dias e preparando-me para entrar na Catedral, numa de descobrir se sentia tudo aquilo que os colegas que já participaram sentiram.
Depois de uma subida que nada custou em relação às que já transpusemos, o marco indicava 3,250km e num falta pouco, avistamos a Catedral no meio de um emaranhado de prédios, que fazem crescer a cada dia que passa Compostela cidade de culto e comercio.
Aí vamos nós para os últimos quilómetros. Damos uma grande volta para passar a linha férrea e de olhos postos na cidade nem nos apercebemos que o grupo caminha em fila indiana, o que originava uma fila tão longa que os últimos ainda não atingiram o sopé da subida.
Como tempo não falta para descansar na cidade antes de entrarmos na Catedral, continuamos e mantivemos o nosso ritmo.
Por fim as portas da cidade estão abertas para estes quase oitenta peregrinos.
Mas ninguém nos recebe, ainda são oito horas de domingo e ninguém está cá fora para nos ver passar.
Tudo fechado! Não se vislumbra viva alma!
Queremos um café. Queremos um café, gritamos para dentro e nada se encontra aberto.
Entramos na comprida avenida e por fim duas portas abertas de par em par, são a primeira alegria do dia.
Um solo logo de seguida para abrir os olhos já tão cansados de bem abertos para olhar o caminho que a noite teimava em esconder.
Uma torrada do tamanho da mão do professor que enfeita a rotunda onde eu perto moro. E mais um solo para de uma vez por todas, deixar a ressaca de sono bem longe de Santiago que está próximo, muito próximo. Foram o consolo para me sentar no jardim onde o prior nos esperava com um sorriso de orelha a orelha, como a dizer; estamos tão próximo peregrinos, estamos tão próximos.
Nesse mesmo jardim já se encontrava os jovens acabados de fazer também os caminhos até Finisterra, numa distância de oitenta quilómetros e como muitos eram filhos de colegas que fazem parte do nosso grupo, foi uma alegria pais e filhos juntarem-se na cidade onde todos iriam ter a sua glória.
Acertamos pormenores enquanto fazíamos horas para entrar na Catedral. Ensaiávamos os cânticos, ouvíamos as leituras da missa, porque como eram em espanhol assim tínhamos o privilégio de ter uma noção da mensagem de cada leitura.
E pronto! Chegou a hora para avançar e entrar na praça, seguindo pela última vez o nosso incansável líder.
Cantávamos sem cessar embalados pelo entusiasmo enorme do António, embora rouco mesmo assim a sua voz ouvia-se dando o clique para o seguirmos.
Foi lindo, bem lindo. Esta nossa entrada!
As pessoas que já se encontravam na praça abriam alas e muitas delas de câmara de filmar guardavam o testemunho à nossa passagem e noventa almas cantando sem parar, davam a primeira alegria a uma praça que não parava de se encher.
Entramos na catedral a rebentar pelas costuras.
Eram peregrinos dos quatro cantos do mundo e como já não havia um único lugar para sentar, o remédio foi mesmo aproveitar os cantos para descansar um pouco enquanto assistíamos à primeira missa do dia.
Terminada a missa, logo ocupamos os lugares das pessoas que já se iam e esperamos uma hora para assistir à grande Eucaristia, presidida pelo arcebispo de Sevilha.
Foi com grande emoção que assistimos a uma nossa colega, ter o privilégio de ir ler a primeira leitura em português no meio de uma multidão onde os serviços em espanhol, galego, italiano, inglês e latim. ... Ditavam leis.
A jovem bem o mereceu e no final não conteve a emoção e deixou-se cair nos braços do marido, aturdido com tamanha sensação.
O prior também assumiu um lugar no altar-mor, como merecimento por conduzir um grupo volumoso com palavras de abrir os corações e cajado para impor as condições. Grupo esse, que iniciou esta cruzada respirando curiosidade e terminou-a emocionado com a grandiosidade da fé.
Mas a missa continuava por entre cânticos ensaiados que davam uma mística à Catedral visto que a multidão acompanhava, envolvendo o enorme espaço em ecos líricos a desabrochar por todos os lados.
A comunhão foi um enorme encontro com Cristo, porque muitos fiéis fizeram parte dela. Eu inclusive comunguei na missa da chegada e nesta, tamanha a minha estreita união com este momento único até agora.
A Eucaristia caminhava para o seu final e mesmo o longo tempo que já tinha passado dentro desta inigualável Catedral, não trazia cansaço algum, pelo contrário, era um prazer partilhar estes belíssimos momentos.
O ponto alto, ou seja mais um, é quando o gigantesco defumador é aceso.
Um ritual que ombreia com a visita a Santiago e que deixa todos de olhos em bico.
São momentos fantásticos assistir ao vai e vem, numa pequena distância que vai aumentando enquanto vai; subindo, subindo e subindo. Alcançando quase as duas extremidades da Catedral, bem por cima das nossas cabeças. Controlado por vários homens que lhe dão o movimento preciso para que ele alcance o objectivo pretendido.
Por fim regressa ao ponto de partida reduzindo a velocidade, enquanto desce no mesmo vai e vem com que iniciou a subida.
É um regalo e centenas de máquinas registam o maravilhoso momento.
Depois desta oportunidade a Eucaristia termina logo de seguida, esperando só o cântico final.
E nós previamente avisados, logo que ele termina cantamos nós o que não é permitido.
Sob a direcção mais uma vez do António, homem dos sete ofícios no que ao canto diz respeito Foram minutos loucos cantar para nós e tendo uma multidão a assistir.
A segurança bem tentava que terminássemos com aquilo, mas só no fim de repetirmos é que demos um final a esta cerimónia que fica registada bem no fundo dos nossos corações.
Saímos para a praça e abraçamo-nos afectuosamente por esta Caminhada ter um fim tão apoteótico, que justificou de longe todo o esforço por que passamos.
Do inicio em Barcelos bem dentro do coração da Matriz, até aqui em Compostela tudo estava terminado. Restava o regresso ao local da confraternização onde com o carinho dos familiares deu-se inicio ao repasto e aos discursos da praxe.
A meio da tarde regressei para junto da família, numa viagem massacrada pelo intenso calor, mas aliviada pelo fresco da fé, ainda tão vivo no meu espírito.
Foram etapas que aumentavam, a cada ultrapassada, o meu grau de fé vincada no peregrino.
Penso voltar numa próxima oportunidade, conhecendo outras pessoas e embora percorrendo os mesmos caminhos, veja neles mais motivos para engrandecer a minha auto-estima e a minha fé.
Só me resta esperar pelo encontro final de Sábado, onde faremos o ponto de situação desta experiência memorável e daremos por concluído este:
“Caminhando a pé para encurtar a distância
Entre mim e….
O meu Eu….
O dos outros, o do outro….

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Quinta Etapa




Umas horas de sono retemperou as forças e as mentes. E depois da breve alocução do prior onde destacou a singularidade de esta ser a ultima etapa, esperando nós para o dia seguinte a consagração triunfal de uma jornada a todos os níveis fantástica. Pusemo-nos a caminho agora sim, todos juntos, com o lema bem actual – Quem é a igreja para mim?
Com o líder bem na frente, batendo o cajado nas pedras polidas pelos milhares de pés que as calcaram há centenas e centenas de anos. Lá partimos natureza a dentro e com a noite ainda presente.
O silêncio imperava e a caminhada era regulada pelos bateres dos cajados que muitos de nós carregava.
As aves acordavam com a nossa chegada. Éramos mais quinze e todos misturados seguíamos os passos do líder, olhando a inclinação do terreno logo bem ao nosso lado e seguindo o riacho que nos acompanhava durante alguns minutos.
Duas horas caminhamos, sem muitas conversas e inclinados para dentro do nosso, eu. O caminho já percorrido mudou a nossa forma de ser. Agora éramos mais peregrinos e mergulhávamos por largos momentos na fé que muitos procuravam como o sinal esperado, desde que puseram pés ao caminho.
A dada altura num recanto onde só se ouvia a água, o pastor parou o seu rebanho e juntando-o à sua volta convidou-o a aprender a rezar o terço.
Formou grupos de cinco e cada um de nós rezava um mistério pedindo uma intenção. Era nesses momentos que cada um sentia de uma forma emocionada o apelo enviado para alguém que lhe era muito querido, tentando deste modo que as suas preces fossem ouvidas, num clima de partilha espiritual.
Foi um momento único! Setenta e cinco pessoas absorvidas a rezar o terço. A cada mistério o prior fazia uma paragem e recapitulava cada passo do mistério seguinte e grupos de cinco com intervalos de poucos metros, criaram uma procissão peregrina e levaram as palavras para bem dentro delas e para bem dentro da atmosfera tão verde e cheia de vida que nos rodeava.
A primeira pausa refrescou a nossa sede e o café deu luz ao despertar.
Enchemos o pequeno café espanhol e esgotamos em poucos minutos o pão e os bolos que o café tinha para o dia todo.
Era uma roda-viva para o casal que se encontrava dentro do balcão.
Depois de carimbar a credencial que iria servir de prova como tínhamos realmente feito os Caminhos. Atiramo-nos estrada fora e perante o dia fresco que nos consolava, serpenteamos meia dúzia de casas onde de pessoas nem vê-las, ainda dormiam porque o dia mal tinha nascido e como companhia só tínhamos constantemente o ladrar dos perros. Muitos portões tinham a placa dizendo “Cuidado com el perro!”
Aproveitamos para relaxar um pouco e dar dois dedos de conversa com quem nos acompanhava naquele momento.
No grupo onde sobressaiam as mulheres em maior numero e como tal cientes que eram elas as obreiras da fé, sobressaiam meia dúzia de peregrinos.
Tínhamos as manas, onde uma puxava pela outra. Numa união de ajuda a justificar a finalidade desta caminhada. Eram amigas mas muitos pensavam que eram irmãs.
No primeiro quilómetro, lá iam elas junto aos primeiros, mas depois passados dois, ou três. O sofrimento acabava por obrigar a outra a não suportar o resto do caminho e recolhia-se no apoio sempre presente o que aliviava a outra mana para fazer a sua caminhada. Mas é de realçar o seu esforço que a levou no final a fazer toda a etapa.
O Luís o bombeiro de serviço pronto para apagar todos os fogos. Homem já batido nestas andanças acorria a quem custava as subidas e de braço metido, ajudava a chegar ao topo. Também era frequente vê-lo a massajar os músculos dos mais arrasados pelo esforço contínuo de tantos quilómetros percorridos. Um homem de uma importância enorme que de certeza todos fizeram questão de reconhecer.
O Vasquinho, o benjamim deste incrível grupo. Com treze anos apenas soube escrever a palavra CONSEGUI!
O puto tornou-se homem pela tenacidade, pela coragem, pela força em vencer os obstáculos que foram aparecendo. Deixou a família orgulhosa e foi alvo de merecidas atenções.
Mas havia um homem que para mim foi o peregrino do grupo!
Metido consigo próprio caminhava envolvido na fé que transpirava. Ora estava na frente comandando o grupo, ora deixava-se ficar para trás num abrir e fechar de olhos.
Tive o privilégio de conhecer um pouco da sua vida e senti que a fé é para quem a quer assumir como um dom ao alcance de qualquer um.
Emocionava-se sem dar nas vistas e no final trocamos um abraço sentido porque cada um de nós alcançou o seu objectivo.
O fim da etapa aproximava-se e quanto mais perto, mais próximo da fé!
Cruzamo-nos com os gaiteiros espanhóis e a nosso pedido por duas vezes, eles tocaram uns minutos numa alegria mútua que até deu para uns passos de dança.
Por fim chegamos a mais uma catedral, depois de atravessarmos o rio por pontes romanas e admirar toda a sua beleza ainda intacta, que lhe conferia um aspecto virgem.
Mas antes no bar que fica vizinho, tratamos de recuperar as forças através dos bocadilhos, do tamanho do nosso estômago e com o solo tão necessário, entramos na catedral de Padrón.
AÍ o prior estava como peixe na água e usando toda a sua sabedoria levou-nos a envolver com o aroma que este espaço transpira.
Um bom tempo aí permanecemos ouvindo a história deste pela boca do guardião do templo. E com a oração final e baterias carregadas tanto físicas como mentais, fizemo-nos ao caminho para os quilómetros finais.
Enquanto caminhava recordei esta mensagem: “Não passes pelo caminho, deixa antes que o caminho passe por ti…”
Esta frase que ocupa o inicio do livro que sempre me acompanhou é o prenúncio do que tentamos agarrar com esta caminhada. E a oração matinal do Peregrino de Santiago, era o acordar para a busca do que procurávamos.
Entramos numa povoação e não era preciso muito para entrar pelos portais a dentro.
Os caminhos eram em ziguezague que nós tanto estávamos fora das casas como nos enfiávamos pelas suas entradas. Já que elas se misturavam com o caminho que percorríamos e que era único.
Reparei que muitas das casas estavam abandonadas e já muito antigas. Mas o incrível era que do outro lado existiam casas novas e habitadas. Era um misto de antigo embora muito dele já abandonado, com o moderno. Dava-me a sensação que os descendentes construíam as suas casas, mas não se queriam ver livres das que abrigaram os seus antepassados.
E finalmente os nossos olhos abriram-se já que levantamos bem a cabeça porque o restaurante estava colado aos nossos pés.
Duas horas para o almoço e toca a entrar nos carros rumo ao local que nos iria receber pela ultima noite.
Um banho retemperador e pisamos a praça de Santiago para sentir um pouco o ambiente e prepararmo-nos para a entrada triunfal do dia seguinte já que ainda nos faltava caminhar doze quilómetros.
Assistimos a uma vigília dentro da catedral e uma das nossas, fez sentir a língua portuguesa no imenso falar espanhol…….
Regressamos a Monte Del Gozo com a noite já a roubar as horas de sono tão necessárias. Mas o êxtase de chegar o dia seguinte tudo superava, porque era sinal que os Caminhos de Santiago estavam a terminar e logo bem dentro da catedral do Santo Mártir.

A Quarta Etapa


Encontramo-nos todos no parque de estacionamento à entrada da ponte nova de Valença. Um parque com três camiões encostados, imagino com os condutores dormindo esperando que o dia nasça para seguirem cada qual, o seu destino. Sem iluminação e como a noite ainda ditava leis, dificilmente conseguíamos distinguir quem quer que seja.
Depois da verificação de que todos retomavam a caminhada final rumo a Santiago, ainda bem longe, mas perto do coração desta gente já rendida à fé e ao mártir. Seguimos atrás do guia numa dúzia de automóveis que abriam caminho pela noite ainda cerrada rumo ao inicio da caminhada.
O aeroporto com as suas imponentes obras de beneficiação, foi a traição para o engano no percurso. E num desce e torna a subir, de encontro à rotunda de todas as complicações, lá permanecemos num dar à volta consecutivo, para esperar que quem trocou a direcção, voltasse ao ponto onde se descarrilou do comboio automóvel.
Voltamo-nos a juntar com o dia a raiar e sem tempo a perder já, que era necessário recuperar do tempo em que andamos às voltas como o cão tentando apanhar a cauda. Rapidamente tomamos o café e no briefing a anteceder o inicio de mais uma caminhada, o prior vincou bem o papel por nós já desenrolado até aqui e mais uma vez, lembrou que toda esta envolvência não pode deixar de incorporar o retiro espiritual e lançou o lema deste dia – Quem é o outro?
E incutiu-nos a caminhar uns momentos em silêncio e reflectir no quem é o outro.
Quem é o que caminha ao nosso lado.
Quem é o que nos faz sentir algo no dia-a-dia.
Frases chavão que nos iriam acompanhar nas longas horas de caminhada, como já o mesmo fizera nas etapas anteriores, onde já algo nos tinha tocado com o - Quem sou eu? – Quem é Deus para mim?
Depois de um suspiro profundo, acontece sempre que o prior nos devolve o lema para nos acompanhar a cada inicio de caminhada. Toca a dar à perna retomando o final, onde ainda bem fresco a nossa memória recorda os momentos de uma etapa que deixou a sua marca.
Entramos novamente pelos campos, onde o milho é rei e senhor do verde semeado pelo homem.
Mas algo esperava por nós e num céu que se mostrava manchado de nuvens brancas e negras vindas do lado do mar, a chuva apareceu para nos acompanhar todo o dia.
Primeiro os pinguinhos a desenhar formas no caminho que a nossa mente sempre virada para o chão tentava dar um sentido.
Depois certinha e miudinha. Obrigando-nos a colocar os impermeáveis e lá caminhamos meio indiferentes a este contratempo. Até demos graças, a Santiago (lá está o Santo a entrar no peregrino), porque refrescou o tempo e não molhou mais que o impermeável deixando os ossos secos sem argumentos para reumatismos e artrites.
A chuva não deixa muita margem para conversas e toca a seguir os marcos que nos indicavam o caminho e também a partir de certa altura os quilómetros que faltavam para o grande dia.
As horas passavam mas a chuva continuava!
Meia preguiçosa já que era pouco sentida, mas mesmo assim molhava. O grupo na sua maioria envergava os impermeáveis, que cobrindo as mochilas davam um aspecto a muitos de nós de corcundas e era engraçado olhar para o lado e ver colegas a caminhar com aquele volume sob as costas.
Eu com o meu graciosamente emprestado por um amigalhaço que vem protegido a dobrar, já que sabe o que lhe espera, e também descobriu que eu só não deixo a cabeça em casa porque ela anda atarraxada ao corpo. Lá seguia no grupo dos primeiros para que o andamento fosse mais rápido, porque a hora da chegada tinha que ser cumprida senão corríamos o risco de ficar sem comer.
Entramos em Pontevedra e descobrimos o seu coração, como querendo dizer, descobrimos a sua Catedral.
Escusado será dizer que era local obrigatório para a catequese do prior!
São estas paragens, normalmente em locais de culto que nos eleva de encontro à realidade da fé.
De encontro à realidade do porquê de todo este esforço.
De encontro à realidade da esperança em encontrarmos a luz que vai aquecer a enorme etapa que se iniciará logo que esta termine.
E no final tínhamos já muitas respostas para o objectivo que todos pretendíamos, porque a mensagem do prior estava a ser captada.
Só que não estava a ser posto em prática um dos objectivos traçados desde o inicio. Ou seja, a junção do grupo saído dias antes, para fazerem o percurso seguido e era suposto, juntarem-se connosco, para terminarmos a odisseia no domingo.
O grupo não dava ares de ser visto, nem agora que já não havia paciência para mais esperas para ver se os visionávamos. Nem desde o inicio, com paragens longas para ajudar ao reagrupamento.
Ficou uma vez mais o prior com a missão de os trazer até nós e sem tempo para mais esperas partimos guiados pelo colega António, amante das cantorias e fiel seguidor do prior na condução deste rebanho.
Encontramos a via-férrea, mano a mano com os caminhos por nós trilhados. E durante umas boas horas fomos visitados pelo comboio que velozmente ia e vinha num traçado há tantos anos programado.
Obras a todo gás indicava que o TGV seria uma realidade a curto prazo na vizinha Espanha e nós registávamos esse momento.
E a chuva continuava já bem chatinha para todos nós. Dava a sensação que parava e logo nós tirávamos o impermeável. Mas momentos depois lá estava a danadinha a encharcar o calçado já cheio de amolgadelas que apertavam os pés e desesperavam quem já os tinham em tão mal estado.
Cruzamo-nos com um grupo de garotos de chapéus vermelhos à grilo, talvez um colégio já que embora alguns fossem acompanhados pelos pais, a maioria iam guiados pelos educadores. Que indiferentes à chuva cantavam alegremente em honra de Santiago.
Por fim a etapa estava quase no fim!
Em três mil passadas estaríamos a saborear uma refeição de encher o estômago já a reivindicar atenção e comodamente instalados a dar descanso ao corpo que tanto necessitava.
Haja fé gritávamos nós e lá enfrentamos os caminhos com água, entrando pelos campos a dentro para a evitarmos.
Subíamos carreiros de cabras com redobrada vontade já que o fim era uma realidade.
Caminhávamos por baixo de ramadas com as uvas ainda verdes, esperando por mais um mês para amadurecerem e servirem para espremer o néctar tão suave durante a refeição.
Os da frente paravam debaixo de uma enorme árvore, num abrigo natural para que os mais atrasados pudessem sentir o grupo todo unido.
E num grito de união, já que o prior andava perdido a juntar as ovelhas do grupo que ficou de se juntar a nós após os dois primeiros quilómetros e, agora já no fim nem sinal deles. Caminhamos rumo ao restaurante com o nariz bem esticado, tentando farejar o cheiro a comida, mas ainda só farejávamos laminha e pedras escorregadias.
O repasto foi o que se podia arranjar nestas circunstancias e o local onde finalmente os dois grupos se juntaram e puderam ver as caras, uns dos outros.
E foi no briefing que fazia o balanço do dia, num colégio dirigido por freiras, que estalou o verniz e numa troca um pouco acesa de galhardetes, o grupo dos quinze, tentou justificar o injustificável, numa choradeira de chorrilhos escusados, que só terminou com a voz de comando do prior.
Prior que evitando propositadamente interferir directamente, colocou-nos à prova e foi o que se viu. Que o obrigou num tom a raiar a raiva a levantar serias questões das quais destaco as directamente vincadas em nós: “não aprendemos nada! Buscamos unicamente os bodes expiatórios……”.
Resumindo; levamos uma lição de moral, que nos fez regressar cabisbaixos ao local de descanso. Onde nos acomodamos em beliches e dormimos. Aproveitando as poucas horas, porque como sempre pela manhã coberta de escuridão, o prior reúne os peregrinos procurando as palavras certas para os acompanhar no seu destino.