Afinal
o povo português é capaz de se revoltar e não se acomoda ao marasmo como muita
boa gente quer fazer querer.
O
problema é que se revolta e parte a loiça toda com a vizinhança ao pé da porta.
A
crise delas (deles) é a vizinha da frente, construir um muro para cima dos
metros permitido por lei e assim tapa a vista. Como é bom ter a vista sem
barreiras para ver quem chega, quem parte, com quem chega e se parte sozinha.
Que
bola de neve aqui se junta e umas horas depois já o bairro sabe, que pelas
altas horas da noite. Mesmo uma noite de intenso nevoeiro, o vizinho abriu a
porta a uma desvairada. Que merda vizinha, só queria que estes olhos vissem a
cara dela, também vinha tapada dos pés à cabeça.
E
assim se ultrapassa a crise no meio do carro do peixe, com cada uma e elas são quatro.
Estas vizinhas beatas, a comprar chicharro barrigudo, para cozer para quatro
bocas. E sardinhas miudinhas passadas por farinha, para as engordar e encher o
prato. Já a transbordar pela caniças de arroz e mais arroz, porque o tomate é
só uma amostra. Foda-se vizinha, o quilo já vai nos quinhentos paus antigos.
O pior
até não é isto comadre, isto vai num abrir e fechar de olhos, a crise vai e
vem, já dizia o meu falecido pai, que Deus o tenha bem pertinho ao seu manto. O
pior são, aqueles cães raivosos de cima do meu tecto!
É
barulho toda a noite, é gritaria a toda a hora. É palavras tão porcas, mas tão
porcas. Que nem consigo aqui dizer. É de, olhe se digo, tenho que me confessar
e isso com aquele capuchinho franciscano, que veio para ser o nosso padre, não
faço.
Mas só
visto, que eu nem vejo, porque eles estão bem dentro de casa.
Não consigo pregar olho, o meu Zé é voltas e
voltas na cama. Olhe nem a policia faz caso já que quando lá vai, só o cão
ladra, de medo.
Mas cá
fora vizinha! Cá fora é que me dá uma volta cá à barriga. É braço dado bem
apertado os estepores. É beijinhos a cada canto, que bem vejo com estes olhos
que a terra há-de comer.
Vê
como a minha crise, é, não poder dormir com estes caralhos, que não sei como é
esta juventude e já não são novos, até já me disseram que quando namoravam já
andavam à lostra por dá cá aquela palha.
Olhe,
não adianta! Já fui ao presidente da junta, coitado pouco pode fazer. É por
isso que voto nele. Que me disse já ter levado o caso até à câmara. Bom
presidente lá temos, é da minha cor e do meu Zé e se queremos alguma coisa é
votar na cor deles para nos governar, senão lá vem os comunistas, tirarmos a fé
e passarmos fome todos os dias.
E
vizinha, eu sei que a vida está cara! A quem o diz pobre mulher. Eu que tenho
um filho desempregado e a reforma, a minha não, que é tao pequena que nem chega
para os remédios cá do coração e dos ossos. Mas a do meu Zé, já foram roubar
uns bons contos. É melhor falar assim para você fazer ideia.
A
crise aguento eu, agora, a songa dali de baixo é que me tem posto a cabeça em
água!
Anda
para aí a dizer que eu disse que o filho dela vai-se disvorciar. Eu que nem
conheço o rapaz, desde que ele foi viver para Braga.
Ouvir ouvi,
uns zun zuns. Foi a vizinha dela que ouviu uma conversa e contou-me. Sabe que
eu e ela somos unha e carne. O que eu sei ela sabe e do lado dela é a mesma
coisa.
Agora
eu dizer nada disse! Mas já que ela diz isso e passo pela fama, vou –lhe dizer:
o rapaz coitado é só trabalhar de manha á noite e a mulher aquela mula que vive à custa dele e chupa-lhe todo o dinheiro. E agora quer se ver livre dele,
parece que tem um amante, que vai deixar a mulher por ela. Pois nada faz e como
não se cansa tem tempo para ir para o laró. E andar com a coisa a ferver!
À é
verdade, já me ia esquecer! A vizinha do muro, aquela mula, que só por ter
dinheiro pensa que compra tudo, mas não compra.
Fui à
junta falar com o presidente. Coitado dele, nada pode fazer é da cor dele e
logo uma família grande.
Até
deu-me pena ele a dizer para ver se aguento, porque nas próximas eleições ele
já não vai ser o presidente, aquela coisa da nova lei. Olhe, nem sei, nem me
interessa. E quando vier outro ele disse para eu fazer queixa.
Só não
quero que mude de cor, senão vem aí os comunistas e …….
Ó sabe da última! Lembrei-me agora por falar do Presidente.
Logo
de tarde eu conto-lhe, apareça para o lanche, porque agora tenho que preparar o
comer para o Zé e o filho, que nem emprego nem rasgos. Não sei o que vai ser
dele, só espero que quando acabar o dinheiro do desemprego, ele vá trabalhar
nem que seja no estrangeiro.
Ao
menos este governo ainda dá o dinheirinho do desemprego. Se fosse os comunistas
e outros iguais a eles, nem desemprego, nem reformas. Era o fim do mundo para
nós.
Tenho
que ir, tenho que ir.
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