sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Carmelo mas não Caramelo



Conheci o Carmelo quando iniciei os primeiros passos no quintal/jardim, que terminava de encontro ao dele com um marmeleiro vistoso. De onde saiam os marmelos para a minha mãe fazer um dúzia de malgas de marmelada.
Portanto éramos vizinhos do lado sul, já que para norte, outra família levava com outro marmeleiro, já que tínhamos marmeleiros de ponta a ponta.
Apesar de vizinhos, pouco convivíamos.
Nas traseiras da nossa casa, um muro alto, bem alto impedia qualquer visionamento da casa do Carmelo e como tal, só nos víamos na zona dos marmeleiros.
Vivíamos num bairro e no largo onde nos juntávamos para as brincadeiras do costume o Carmelo e os irmãos raramente se juntavam ao grupo e mais uma vez, era na zona dos marmelos que trocávamos algumas conversas de treta. Próprias da idade, eu pequenote ele já com sorriso de adolescente.
Como vivi lá até aos oito anos e o Chico já com idade de secundário, ficou na retina este homem que com o decorrer dos anos, cruzamo-nos muitas vezes. E o gesto do cumprimento era normal entre duas pessoas que foram durante oito anos vizinhos de porta e de marmelos, já que muitos deles caiam para o quintal dele.
Por último quando os nossos passos se cruzavam, o olhar dele dizia-me algo de um passado que bem recordo.
E sei que o Chico já possuía o sorriso e o olhar que o caracterizou. Por isso me lembro bem dele e pouco dos irmãos, que possuíam a minha idade mais ano, menos ano, na altura.
Claro que o Chico mudou!
Ficou com o mesmo sorriso, mas acompanhado por um olhar nostálgico, por vezes entrincheirado em si mesmo, escondendo a falta de apoio. Que infelizmente não podia ser 24 horas por dia.
O Chico para viver a longevidade da vida, tinha que ser algemado a alguém.
Mas enquanto nos acompanhou, fartou-se de explodir inteligência e através dessa faceta, alargou a barriga, não de cervejinha, mas de poesia.
Era aí que ele armazenava a poesia acumulada num cérebro que de quando em vez lhe dava laivos de esplendor poético. Como de oscilações esquizofrénicas.
Era o professor de varias gerações de garotos e sabia de história como poucos!
Uns meses antes foi num passeio à Corunha, onde a minha filhota também participou e ficou abismada com o professor Carmelo. Que descreveu-lhes toda a história dessa cidade e como disse nunca lá tinha ido. Preparou-se de tal maneira que decorou tudo e falava sem cessar.
A miúda veio abismada com o professor Carmelo.
Fartou-se da vida, mas nunca dos amigos e hoje lá está de livros debaixo do braço com a gabardine clara a agasalhar-lhe as tentações, (que o venceram por fim), olhando sorridente de rosto inclinado, perscrutando a mente de quem o olha e poetizando repetidamente quem amavelmente o acompanhava horas e horas.

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