Zegama quebrou a tradição de se deitar cedo e
num banho rápido dentro de uma banheira larga de plástico, com água aquecida na
lareira, em potes de ferro mais velhos que as histórias dos antepassados. Preparou-se
para assistir ao desenrolar dos resultados destas eleições para ele, marcantes.
Visto ter alterado o seu voto, sempre no mesmo e agora na certeza da mudança.
Na tasca acomodou-se a um canto e ficou-se
pelo primeiro trago, esperando pelas vinte horas na primeira projecção que lhe
dava a confirmação da sua plena certeza, na mudança.
O Pelisco ficou a coçar-se nas paredes externas
já que animais era proibido, mesmo na tasca do tio Isidro.
Tio Isidro ficou admirado com a visita, mas
nem um grunhido soltou naquela voz rouca que assustava quem lá entrasse pela
primeira vez.
Soltou-se as projecções e como a aldeia era
revestida de laranja, foi o delírio na sala repleta de povo e a cheirar a
bagaço.
Zegama deu um ligeiro salto no banco mesmo
pesado que o fez ranger um bom bocado, levando o colega do lado a dar-lhe um murraço
de alegria.
Qual alegria qual carago!
Zegama deu um salto porque não via lá a sua
alegria.
Pediu outro trago, este por conta da casa já
que “seu Isidro” era o presidente da Junta. Levando um enorme abraço que lhe manchou
a camisa branca só para as festas da Confraria.
Uma hora passou e já com meia dúzia de tragos
e com o Pelisco farto de ladrar aos gatos. Reparou na festa da Martins e
companhia e os seus olhos abriram-se de espanto (só comparado quando as ovelhas
pariam) e comentou para os seus botões, já que não podia dar nas vistas. –
Afinal a Martins ganhou!
- Não adormeças Zegama! Gritou-lhe o mesmo do
murraço. – Espera que o Portas fale e o Coelho levante o braço de vitória.
Mas primeiro falou o Bloco!
Zegama percebeu que as mulheres pertenciam ao
bloco.
Pela primeira vez viu que o símbolo do bloco não
foi onde ele fez o xis!
Ou foi? Não, não foi!
Já nada percebia e continuava de golada a
enfiar tragos.
Resignado pôs-se a abrir as entranhas da mesa,
onde a crosta já não deixava descobrir a madeira e dava para, com a faca de
cortar a broa feita no forno lá da casa lacrada com a bosta das cabras. Rabiscar
a sua má sorte.
- Foda-se onde votei?
- Zegama ou calas o rafeiro ou vou lá e dou-lhe
um biqueiro!
Berro audível de “seu Isidro”, que fez Zegama
despertar dos seus pensamentos e correr para a saída de um salto.
Já não entrou. Assobiou e Pelisco deixou a
gatazana em paz juntando-se a ele num silêncio, que levou Pelisco a roçar-lhe
as pernas de mansinho.
- Olha Pelisco, acho que votei no mesmo de
sempre!
- Tanto demorei para ver se via a Martins que
fui votar no… foda-se nem sei em quem votei. Eram tantos que me perdi e nem sei
onde pus a cruz.
Vamos mas é dormir que amanhã é pegar no
rebanho e subir a maldita montanha.
- Mas pelo sorriso do Isidro, votei no
partido dele que ganhou mais uma vez. Ficando mais descansado porque assim lá
na aldeia ninguém ia saber que apareceu um voto que não valia nada. E se
aparecesse sabiam logo que foi ele, já
que tanto demorou a entregar a merda daquele voto.
E enrolando a barba de milho, assobiou, mesmo
de noite todo o caminho.
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