domingo, 4 de outubro de 2015

Votem ao Acordar





Zegama, no alto da montanha de rádio colado ao ouvido e os olhos postos no rebanho comandado pelo cão Pelisco, não perdia pitada da campanha para como ele dizia, mudar o rumo do país e mudar a direcção do seu rebanho bem perto dos baixios, junto à estrada onde aí podia ver a carreira e assim alegrar a vistinha com as catraias, num vai e vem para a escola tão longe da terriola.
Foram quinze dias a aturar as arruadas e os discursos dos Costas, dos Passos e da Martins.
Como o seu pensamento era para as catraias da carreira vinte e cinco, a Martins e as amigas eram, quem ele dava mais atenção.
Só elas desviavam a vigilância do rebanho sempre alinhado pelo Pelisco na procura dos rebentos escassos, devido aos malvados incêndios, que devastavam as pastagens e enfureciam Zegama, obrigando a audíveis impropérios que entoavam montanha abaixo.
No caminho que levava da sua humilde casa ainda feita de pedra centenária, até à Junta para votar. Pensava nas palavras dos nossos políticos que nesta altura tudo prometem e depois levam Zegama de volta ao monte longínquo, sem sonhos nem optimismo.
Meia hora levava de sua casa à Junta e deixar o rebanho fechado por trancas manchadas com as turras dos pobres bichos, inquietos por iniciar a diária caminhada em direcção à erva fresca da madrugada. Levavam-no por vezes a interromper a marcha pensando se valia a pena perder o seu precioso tempo com um voto que não iria valer nada. Só serviria para na aldeia saberem em quem ele votava. E como estava com ideias de mudar o seu voto e tentar mudar este país, logo saberiam que Zegama votou nos inimigos do outro lado do rio.
Mas Zegama era um homem que pensava com a sua cabeça só virada para o seu rebanho e de micar bem do alto, duas vezes por dia, a carreira onde sentia o perfume das catraias.
 Desta vez era ponto assente, que chovesse ou caísse pedregulhos do cimo da custosa montanha, iria cumprir o seu dever cívico.
Bem cedo chegou à porta da Junta.
 Ainda se contavam os boletins pelos membros, sempre os mesmos, que tudo pesquisam naqueles olhos de lobo assanhado, prontos a devorar qualquer ovelha tresmalhada, que venha com intenções de alterar o costume da contagem.
Como a hora de abertura ainda dava tempo para o mata-bicho, Zegama foi à tasca perto da igreja e de um trago lá se foi um.
Mais outro e já aliviava as tremideiras para não ser descoberto na mudança de partido. E por fim outro, que alegrou a confiança em ser homem de uma palavra só.
Documentos na mão dirigiu-se à mesa onde o presidente da Junta de óculos na ponta do nariz, lê o seu nome (só aí se lembravam do Zegama), de cor e salteado, já que nos documentos incrustados de lã escurecida, nada se via.
Boletim na mão, entrou no cubículo montado para a ocasião e…. Alto lá, onde está….
Passou um minuto tempo mais que suficiente para os membros saberem que não haveria hesitações por parte do pastor.
Dois, três e nada!
Zegama continuava embrulhado na pesquisa do quadrado onde iria desenhar com força e determinação a mudança de pensamento eleitoral.
Cinco minutos e todos já sabiam que daquele pastor só iria vir voto nulo. Já que foi ensinado a votar no partido do Abade e do presidente da Junta.
De peito feito entregou o seu boletim dobrado como mandam as regras e esperou que o presidente o deixasse cair na urna negra, como o tempo lá fora.
Recebeu de volta os documentos e cumprimentando os presentes com aquelas mãos calejados pelo cajado que guia o rebanho e o ampara em sonecas rápidas. Saiu calmamente batendo os socos na madeira já comida pelo bicho entranhado.
A montanha esperava-o. O Pelisco aguardava-o como guarda de um rebanho onde todas as ovelhas e cabras têm nome de fadas.
Os políticos enganam-nos, os governantes enganam-nos.
Os automóveis enganam-nos, os euros enganam-nos.
Votem ao acordar! As mulheres amam-nos!
Cantarolava enquanto enrolava um cigarro de barba de milho!

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