terça-feira, 6 de julho de 2010
A Quinta Etapa
Umas horas de sono retemperou as forças e as mentes. E depois da breve alocução do prior onde destacou a singularidade de esta ser a ultima etapa, esperando nós para o dia seguinte a consagração triunfal de uma jornada a todos os níveis fantástica. Pusemo-nos a caminho agora sim, todos juntos, com o lema bem actual – Quem é a igreja para mim?
Com o líder bem na frente, batendo o cajado nas pedras polidas pelos milhares de pés que as calcaram há centenas e centenas de anos. Lá partimos natureza a dentro e com a noite ainda presente.
O silêncio imperava e a caminhada era regulada pelos bateres dos cajados que muitos de nós carregava.
As aves acordavam com a nossa chegada. Éramos mais quinze e todos misturados seguíamos os passos do líder, olhando a inclinação do terreno logo bem ao nosso lado e seguindo o riacho que nos acompanhava durante alguns minutos.
Duas horas caminhamos, sem muitas conversas e inclinados para dentro do nosso, eu. O caminho já percorrido mudou a nossa forma de ser. Agora éramos mais peregrinos e mergulhávamos por largos momentos na fé que muitos procuravam como o sinal esperado, desde que puseram pés ao caminho.
A dada altura num recanto onde só se ouvia a água, o pastor parou o seu rebanho e juntando-o à sua volta convidou-o a aprender a rezar o terço.
Formou grupos de cinco e cada um de nós rezava um mistério pedindo uma intenção. Era nesses momentos que cada um sentia de uma forma emocionada o apelo enviado para alguém que lhe era muito querido, tentando deste modo que as suas preces fossem ouvidas, num clima de partilha espiritual.
Foi um momento único! Setenta e cinco pessoas absorvidas a rezar o terço. A cada mistério o prior fazia uma paragem e recapitulava cada passo do mistério seguinte e grupos de cinco com intervalos de poucos metros, criaram uma procissão peregrina e levaram as palavras para bem dentro delas e para bem dentro da atmosfera tão verde e cheia de vida que nos rodeava.
A primeira pausa refrescou a nossa sede e o café deu luz ao despertar.
Enchemos o pequeno café espanhol e esgotamos em poucos minutos o pão e os bolos que o café tinha para o dia todo.
Era uma roda-viva para o casal que se encontrava dentro do balcão.
Depois de carimbar a credencial que iria servir de prova como tínhamos realmente feito os Caminhos. Atiramo-nos estrada fora e perante o dia fresco que nos consolava, serpenteamos meia dúzia de casas onde de pessoas nem vê-las, ainda dormiam porque o dia mal tinha nascido e como companhia só tínhamos constantemente o ladrar dos perros. Muitos portões tinham a placa dizendo “Cuidado com el perro!”
Aproveitamos para relaxar um pouco e dar dois dedos de conversa com quem nos acompanhava naquele momento.
No grupo onde sobressaiam as mulheres em maior numero e como tal cientes que eram elas as obreiras da fé, sobressaiam meia dúzia de peregrinos.
Tínhamos as manas, onde uma puxava pela outra. Numa união de ajuda a justificar a finalidade desta caminhada. Eram amigas mas muitos pensavam que eram irmãs.
No primeiro quilómetro, lá iam elas junto aos primeiros, mas depois passados dois, ou três. O sofrimento acabava por obrigar a outra a não suportar o resto do caminho e recolhia-se no apoio sempre presente o que aliviava a outra mana para fazer a sua caminhada. Mas é de realçar o seu esforço que a levou no final a fazer toda a etapa.
O Luís o bombeiro de serviço pronto para apagar todos os fogos. Homem já batido nestas andanças acorria a quem custava as subidas e de braço metido, ajudava a chegar ao topo. Também era frequente vê-lo a massajar os músculos dos mais arrasados pelo esforço contínuo de tantos quilómetros percorridos. Um homem de uma importância enorme que de certeza todos fizeram questão de reconhecer.
O Vasquinho, o benjamim deste incrível grupo. Com treze anos apenas soube escrever a palavra CONSEGUI!
O puto tornou-se homem pela tenacidade, pela coragem, pela força em vencer os obstáculos que foram aparecendo. Deixou a família orgulhosa e foi alvo de merecidas atenções.
Mas havia um homem que para mim foi o peregrino do grupo!
Metido consigo próprio caminhava envolvido na fé que transpirava. Ora estava na frente comandando o grupo, ora deixava-se ficar para trás num abrir e fechar de olhos.
Tive o privilégio de conhecer um pouco da sua vida e senti que a fé é para quem a quer assumir como um dom ao alcance de qualquer um.
Emocionava-se sem dar nas vistas e no final trocamos um abraço sentido porque cada um de nós alcançou o seu objectivo.
O fim da etapa aproximava-se e quanto mais perto, mais próximo da fé!
Cruzamo-nos com os gaiteiros espanhóis e a nosso pedido por duas vezes, eles tocaram uns minutos numa alegria mútua que até deu para uns passos de dança.
Por fim chegamos a mais uma catedral, depois de atravessarmos o rio por pontes romanas e admirar toda a sua beleza ainda intacta, que lhe conferia um aspecto virgem.
Mas antes no bar que fica vizinho, tratamos de recuperar as forças através dos bocadilhos, do tamanho do nosso estômago e com o solo tão necessário, entramos na catedral de Padrón.
AÍ o prior estava como peixe na água e usando toda a sua sabedoria levou-nos a envolver com o aroma que este espaço transpira.
Um bom tempo aí permanecemos ouvindo a história deste pela boca do guardião do templo. E com a oração final e baterias carregadas tanto físicas como mentais, fizemo-nos ao caminho para os quilómetros finais.
Enquanto caminhava recordei esta mensagem: “Não passes pelo caminho, deixa antes que o caminho passe por ti…”
Esta frase que ocupa o inicio do livro que sempre me acompanhou é o prenúncio do que tentamos agarrar com esta caminhada. E a oração matinal do Peregrino de Santiago, era o acordar para a busca do que procurávamos.
Entramos numa povoação e não era preciso muito para entrar pelos portais a dentro.
Os caminhos eram em ziguezague que nós tanto estávamos fora das casas como nos enfiávamos pelas suas entradas. Já que elas se misturavam com o caminho que percorríamos e que era único.
Reparei que muitas das casas estavam abandonadas e já muito antigas. Mas o incrível era que do outro lado existiam casas novas e habitadas. Era um misto de antigo embora muito dele já abandonado, com o moderno. Dava-me a sensação que os descendentes construíam as suas casas, mas não se queriam ver livres das que abrigaram os seus antepassados.
E finalmente os nossos olhos abriram-se já que levantamos bem a cabeça porque o restaurante estava colado aos nossos pés.
Duas horas para o almoço e toca a entrar nos carros rumo ao local que nos iria receber pela ultima noite.
Um banho retemperador e pisamos a praça de Santiago para sentir um pouco o ambiente e prepararmo-nos para a entrada triunfal do dia seguinte já que ainda nos faltava caminhar doze quilómetros.
Assistimos a uma vigília dentro da catedral e uma das nossas, fez sentir a língua portuguesa no imenso falar espanhol…….
Regressamos a Monte Del Gozo com a noite já a roubar as horas de sono tão necessárias. Mas o êxtase de chegar o dia seguinte tudo superava, porque era sinal que os Caminhos de Santiago estavam a terminar e logo bem dentro da catedral do Santo Mártir.
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