quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Sexta Etapa e Última



O dia da consagração!
O dia que encerrava um ciclo e abria outro que nos vai desabrochar o lado espiritual.
Dormimos ainda menos do que o costume e saímos logo em direcção aos doze quilómetros que faltavam para chegar ao cerne da questão. Nada mais, nada menos que o clímax da emoção.
Foram três horas de caminhada sem parar!
A pressa em chegar suplantou a necessidade em parar para recuperar forças.
Caminhamos uma hora onde a noite ainda dormia e por isso mal víamos o chão que pisávamos.
Iniciamos junto ao marco que assinalava os 12,495km e a cada mudança de direcção ele lá estava a dar-nos a informação.
Era um desalento saber que só se tinha caminhado duzentos metros, quando aparecia o marco a indicar-nos a direcção e os metros que faltavam para chegar ao céu de Compostela.
Claro que isso só acontecia porque estávamos ainda dentro da periferia e logo que entramos campos a dentro, só aparecia quilómetro a quilómetro.
Não ia lá muito bem, faltava-me o café para despertar e como desta vez o prior dispensou o briefing matinal, deixou-nos à nossa sorte, para que cada um imaginasse o momento à sua maneira.
Caminhei praticamente em silêncio num encontro comigo próprio, fazendo um balanço destes dias e preparando-me para entrar na Catedral, numa de descobrir se sentia tudo aquilo que os colegas que já participaram sentiram.
Depois de uma subida que nada custou em relação às que já transpusemos, o marco indicava 3,250km e num falta pouco, avistamos a Catedral no meio de um emaranhado de prédios, que fazem crescer a cada dia que passa Compostela cidade de culto e comercio.
Aí vamos nós para os últimos quilómetros. Damos uma grande volta para passar a linha férrea e de olhos postos na cidade nem nos apercebemos que o grupo caminha em fila indiana, o que originava uma fila tão longa que os últimos ainda não atingiram o sopé da subida.
Como tempo não falta para descansar na cidade antes de entrarmos na Catedral, continuamos e mantivemos o nosso ritmo.
Por fim as portas da cidade estão abertas para estes quase oitenta peregrinos.
Mas ninguém nos recebe, ainda são oito horas de domingo e ninguém está cá fora para nos ver passar.
Tudo fechado! Não se vislumbra viva alma!
Queremos um café. Queremos um café, gritamos para dentro e nada se encontra aberto.
Entramos na comprida avenida e por fim duas portas abertas de par em par, são a primeira alegria do dia.
Um solo logo de seguida para abrir os olhos já tão cansados de bem abertos para olhar o caminho que a noite teimava em esconder.
Uma torrada do tamanho da mão do professor que enfeita a rotunda onde eu perto moro. E mais um solo para de uma vez por todas, deixar a ressaca de sono bem longe de Santiago que está próximo, muito próximo. Foram o consolo para me sentar no jardim onde o prior nos esperava com um sorriso de orelha a orelha, como a dizer; estamos tão próximo peregrinos, estamos tão próximos.
Nesse mesmo jardim já se encontrava os jovens acabados de fazer também os caminhos até Finisterra, numa distância de oitenta quilómetros e como muitos eram filhos de colegas que fazem parte do nosso grupo, foi uma alegria pais e filhos juntarem-se na cidade onde todos iriam ter a sua glória.
Acertamos pormenores enquanto fazíamos horas para entrar na Catedral. Ensaiávamos os cânticos, ouvíamos as leituras da missa, porque como eram em espanhol assim tínhamos o privilégio de ter uma noção da mensagem de cada leitura.
E pronto! Chegou a hora para avançar e entrar na praça, seguindo pela última vez o nosso incansável líder.
Cantávamos sem cessar embalados pelo entusiasmo enorme do António, embora rouco mesmo assim a sua voz ouvia-se dando o clique para o seguirmos.
Foi lindo, bem lindo. Esta nossa entrada!
As pessoas que já se encontravam na praça abriam alas e muitas delas de câmara de filmar guardavam o testemunho à nossa passagem e noventa almas cantando sem parar, davam a primeira alegria a uma praça que não parava de se encher.
Entramos na catedral a rebentar pelas costuras.
Eram peregrinos dos quatro cantos do mundo e como já não havia um único lugar para sentar, o remédio foi mesmo aproveitar os cantos para descansar um pouco enquanto assistíamos à primeira missa do dia.
Terminada a missa, logo ocupamos os lugares das pessoas que já se iam e esperamos uma hora para assistir à grande Eucaristia, presidida pelo arcebispo de Sevilha.
Foi com grande emoção que assistimos a uma nossa colega, ter o privilégio de ir ler a primeira leitura em português no meio de uma multidão onde os serviços em espanhol, galego, italiano, inglês e latim. ... Ditavam leis.
A jovem bem o mereceu e no final não conteve a emoção e deixou-se cair nos braços do marido, aturdido com tamanha sensação.
O prior também assumiu um lugar no altar-mor, como merecimento por conduzir um grupo volumoso com palavras de abrir os corações e cajado para impor as condições. Grupo esse, que iniciou esta cruzada respirando curiosidade e terminou-a emocionado com a grandiosidade da fé.
Mas a missa continuava por entre cânticos ensaiados que davam uma mística à Catedral visto que a multidão acompanhava, envolvendo o enorme espaço em ecos líricos a desabrochar por todos os lados.
A comunhão foi um enorme encontro com Cristo, porque muitos fiéis fizeram parte dela. Eu inclusive comunguei na missa da chegada e nesta, tamanha a minha estreita união com este momento único até agora.
A Eucaristia caminhava para o seu final e mesmo o longo tempo que já tinha passado dentro desta inigualável Catedral, não trazia cansaço algum, pelo contrário, era um prazer partilhar estes belíssimos momentos.
O ponto alto, ou seja mais um, é quando o gigantesco defumador é aceso.
Um ritual que ombreia com a visita a Santiago e que deixa todos de olhos em bico.
São momentos fantásticos assistir ao vai e vem, numa pequena distância que vai aumentando enquanto vai; subindo, subindo e subindo. Alcançando quase as duas extremidades da Catedral, bem por cima das nossas cabeças. Controlado por vários homens que lhe dão o movimento preciso para que ele alcance o objectivo pretendido.
Por fim regressa ao ponto de partida reduzindo a velocidade, enquanto desce no mesmo vai e vem com que iniciou a subida.
É um regalo e centenas de máquinas registam o maravilhoso momento.
Depois desta oportunidade a Eucaristia termina logo de seguida, esperando só o cântico final.
E nós previamente avisados, logo que ele termina cantamos nós o que não é permitido.
Sob a direcção mais uma vez do António, homem dos sete ofícios no que ao canto diz respeito Foram minutos loucos cantar para nós e tendo uma multidão a assistir.
A segurança bem tentava que terminássemos com aquilo, mas só no fim de repetirmos é que demos um final a esta cerimónia que fica registada bem no fundo dos nossos corações.
Saímos para a praça e abraçamo-nos afectuosamente por esta Caminhada ter um fim tão apoteótico, que justificou de longe todo o esforço por que passamos.
Do inicio em Barcelos bem dentro do coração da Matriz, até aqui em Compostela tudo estava terminado. Restava o regresso ao local da confraternização onde com o carinho dos familiares deu-se inicio ao repasto e aos discursos da praxe.
A meio da tarde regressei para junto da família, numa viagem massacrada pelo intenso calor, mas aliviada pelo fresco da fé, ainda tão vivo no meu espírito.
Foram etapas que aumentavam, a cada ultrapassada, o meu grau de fé vincada no peregrino.
Penso voltar numa próxima oportunidade, conhecendo outras pessoas e embora percorrendo os mesmos caminhos, veja neles mais motivos para engrandecer a minha auto-estima e a minha fé.
Só me resta esperar pelo encontro final de Sábado, onde faremos o ponto de situação desta experiência memorável e daremos por concluído este:
“Caminhando a pé para encurtar a distância
Entre mim e….
O meu Eu….
O dos outros, o do outro….

Sem comentários: