domingo, 18 de janeiro de 2009

A Tentaçao que Deixou Marca





Entrei no café do costume para tomar a minha bica que já ultrapassou o simples prazer, mas hoje já não posso passar sem ela. Bem quentinho e curto, só assim atenua a minha ansiedade, de logo que me levanto e após o almoço, é a primeira obrigação que assumo. O único vício que me envolve, mais uns cigarritos quando estou na bricolage.
Mas continuando; ao tomar o café, reparo num grupo de miúdos descontraídos com as calças caídas pelo rabo abaixo mostrando os boxers de marca de contrafacção adquiridas na feira semanal cá da terra e sabendo que alguns estudam, outros nada fazem. Pergunto para mim: como é que estes jovens conseguem arranjar o dinheiro para os Donuts, para o tabaco e para jogar snooker. E logo numa fase de grave crise económica e até social.
E logo me veio à memória um episódio vinte e tal anos atrás.
Por altura dos doze treze anos, o café da minha rua, comprou um bilhar de matraquilhos e praticamente todos os rapazes do bairro iam para lá jogar. Não percebia como arranjavam dinheiro para jogarem, o que é certo, o bilhar estava sempre ocupado.
Cada partida de cinco bolas custava dez tostões (um escudo) e naquela época poucos miúdos tinham esse dinheiro para jogar todos os dias. Mas o que é certo, todos jogavam e eu também queria jogar!
Acontece que eu só tinha esse dinheiro aos domingos e como o vício cada vez aumentava mais, caí na tentação de ir ao bolso do pai!
Uma vez passou! Foram vinte e cinco tostões, joguei umas boas horas.
Aguentei uns dias a ver jogar, mas o bichinho do vício roía-me o cérebro. Eu estava com medo de voltar ao bolso do pai, mas não aguentei e lá fui uma segunda vez!
Corri em direcção ao bilhar e joguei mais umas boas horas!
A loucura do jogo não me dava discernimento para me aperceber que o meu pai, começou a desconfiar e pôs-se alerta.
Eu sentia de verdade, que o que estava a fazer, não era correcto. Não fazia o meu género e custava-me imenso fazer aquilo. Mas era mais forte do que eu e uma vez mais voltei ao bolso!
Desta vez foram cinco escudos, muito dinheiro para jogar matraquilhos. Andei com a moeda no bolso, uma boa hora. Mas não andava bem com ela, não me sentia bem comigo mesmo sabendo que fui roubar o meu pai mais uma vez e voltei a coloca-la no bolso dele.
Senti um alívio enorme e jurei não mais meter a mão ao bolso do pai!
Só que, a minha mãe tinha que me mandar ao café buscar alguma coisa para o almoço e eu ao ver os rapazes a jogar fiquei fora de mim e quando voltei a casa para entregar à minha mãe o que tinha ido buscar ao café, fui ao bolso do casaco do pai e voltei a retirar a moeda, que tinha devolvido uma hora antes! E corri para o bilhar, como quem corre para apanhar um rebuçado lançado para o chão a ver quem chega primeiro para o apanhar.
Foi a minha condenação! Foi o meu passo em falso! O meu pai já estava de guarda ao ladrão que era eu e foi-me buscar ao bilhar!
Durante uns segundos eu não o vi, estava de costas para ele. E jogava com uma alegria, que mais tarde compreendi que era a ultima que eu tinha naquele bilhar.
Um colega fez-me sinal, rodei a cabeça e vi-o! Deixei logo o bilhar e segui-o bem atrás com medo do inevitável!
O meu pai perante os meus colegas nada fez e nada disse, o que demonstrava os seus princípios, que sempre admirei nele. Mas quando chegou à entrada da casa esperou que eu subisse as escadas e mal cheguei à entrada levei tamanha palmada no rabo que voei pelo corredor e quando aterrei, tornei a levar outra que só parei no quarto e mais outra que me atirou para cima da cama de encontro à parede e ai fiquei, como um farrapo retorcido, (depois de o apertar para lhe tirar a água, que se acumulou depois da limpeza).
Que seja a ultima vez que me tiras dinheiro! Disse-me ele bem nervoso e revoltado. E saiu para o trabalho, ficando eu ali deitado enrolado em mim mesmo, tão vazio e tão envergonhado.
Passei a tarde na cama, doía-me imenso o rabo, tinha que estar deitado de lado e nem podia lhe tocar.
A minha mãe veio para a minha beira consolar-me e notava nela, pena de mim, afinal tinha levado uma grande tareia. E claro, dizer-me aquilo que eu nesse momento tinha a certeza; paguei pelo que fiz e como tal a culpa era minha.
No dia seguinte comecei o dia como se nada fosse (só o meu rabito doía muito, estava todo dorido parecia que tinha caído do segundo andar e batido com ele no chão sem dó nem piedade), o meu pai também nada me disse a mensagem do dia anterior, era bem sugestiva e não deixava margem para dúvidas.
Do bilhar nunca mais lá pus os pés, nunca mais joguei em bilhar nenhum, fiquei com uma alergia ao raio do bilhar que não mais, quis ouvir falar de tal jogo.
Foi a única vez que o meu pai me bateu! Já chegava as sapatadas regulares que a minha mãe fazia questão de me presentear em muitas situações e por motivos fúteis, acho que servia para ela descarregar o seu estado de espírito do momento.
Mas foi um episódio que me marcou e que ficará eternamente gravado na minha memória, mas com a certeza de eu ser o grande culpado. Acho que me ajudou na formação do homem que hoje sou, já que nunca mais tirei nada a ninguém e aprendi o velho ditado “Quem não tem dinheiro não tem vícios”!
Só que a grande maioria dos miúdos que encontro na bica, talvez não vão ao bolso do pai. Vão ao bolso dos incautos e das casas com portas trancadas só com o bater da porta. Vão ao recheio das entradas dos prédios e aos automóveis que os donos insensatamente deixam os bens à vista de quem passa, mas alguns param para pedir sem dizer nada, ou seja roubar!

1 comentário:

OnlyMe disse...

O teu pai esteve muito bem quando não reagiu à frente dos teus colegas, mostrou que tem princípios e que te respeita como ser humano. Mas que mereceste essas boas palmadas, aí não tenho dúvidas! ;)
Quanto aos miúdos, e por estar a morar numa área habitacional onde existem muitas misturas de raças, concordo contigo que eles arranjam dinheiro da maneira mais fácil, ou seja, a roubar quer na rua ou mesmo aos próprios "amigos". Tudo serve para fazer negócio, "orientam-se" como eles dizem. Infelizmente, assim é!

PS. Esta foi a resposta ao teu comentário porque é muito importante para mim que a leias e não sei se voltarás lá tão depressa:

"Obrigada Nuno. Sempre presente quando preciso de força e coragem e as tuas palavras são sempre tão acertadas. Agradeço-te por esse carinho e atenção. Assim se vê o valor de cada ser humano."

Jinhos :)