Dois anos se
passaram, depois de as portas da Matriz se abrirem à frescura da manhã, para
iniciarmos com a energia
toda de quem nem sonha para onde vai, a caminhada rumo a S. Tiago de
Compostela.
Os
primeiros quilómetros foram galgados como quem vai para uma festança.
Conversa daqui, piada dali, lá rumávamos por
caminhos ainda a cheirar ao asfalto, já que ainda estávamos em zonas muito
habitadas.
As
horas avançavam e o cansaço galgava o meu corpo.
Encontrava-me
todo dorido!
Pudera,
caminhei horas e horas. Em muitas ocasiões marchei e outras mais, acredito que
talvez voasse. Para fazer perto de quarenta quilómetros por etapa, nas seis que
precisava para chegar ao local da coroação.
O calor queimava os neurónios, mas estava
feliz. Acreditem, estou a ser sincero: mesmo feliz!
Calcorreava
caminhos abertos pelo meio da serra, onde em fila indiana nos desviávamos das
naturais dificuldades do percurso, salpicado de socalcos bem desnivelados,
obrigando-nos a caminhar em ziguezague e subíamos com prazer o dorso da serra
que mais nos aproximava de peregrinos.
A
Natureza impunha-se, com o verde como cenário de eleição e sem vestígios de
contacto humano, a não ser o do grupo. Caminhávamos carregados de prazer em ali
estarmos e sentindo todos nós, a adrenalina da fé que todos procuramos em
reencontrar.
A
missa aproxima-se, o momento é de respeito e de oração!
Um
adro de uma capela, pequena para tanta gente que se arrasta para uma sombra,
depois de horas caminhando sob o sol abrasador. Obriga a improvisar a Cerimónia
ao ar livre e num altar que faria Cristo saudar a beleza simples daquele espaço.
Deu-se, início à Eucaristia, que ficou nos corações de todos os que assistiram.
A fé!
O encontro com nós mesmos! A procura de um sinal! São momentos que os Caminhos
de Santiago nos proporcionam.
Mas parar
era” morrer”, então descemos o monte, onde nem aí corria brisa. Senti que Deus
nos estava a pôr à prova todas as nossas capacidades.
Enquanto
descíamos deslumbrávamos a baía de Vigo, que nos acompanha na descida e contemplávamos
toda aquela imensidão de água.
Imaginei-me
a saltar por sob o mato e descendo, descendo, de braços bem abertos, para
terminar num mergulho prolongado de encontro aquela frescura….
E
descendo e descendo, para a realidade, firmo os pés numa força para não dar uma
queda de encontro ao fim de mais uma com um sorriso que me embala, lembrando-me
uma sua célebre frase: “ A vida é uma arte”.
Toca a
dar à perna e entrando novamente pelos campos, onde o milho é rei e senhor do
verde semeado pelo homem. Algo esperava por nós e num céu que se mostrava
manchado de nuvens brancas e negras vindas do lado do mar, a chuva apareceu para
nos acompanhar todo o dia.
Primeiro,
uns pinguinhos a desenhar formas no caminho, que a nossa mente sempre virada
para o chão, tentava dar um sentido.
Depois
certinha e miudinha. Obrigando-nos a colocar os impermeáveis e lá caminhamos
meio indiferentes a este contratempo. Até demos graças, a Santiago (lá está o
Santo a entrar no peregrino), porque refrescou o tempo.
Haja fé gritávamos nós e lá enfrentamos os
caminhos com água, entrando pelos campos a dentro para a evitarmos.
Subíamos
carreiros de cabras com redobrada vontade. Caminhávamos por baixo de ramadas
com as uvas ainda verdes, esperando por mais um mês, para amadurecerem e
servirem para espremer o néctar tão suave durante a refeição.
A chuva
não deixava muita margem para conversas e toca a seguir os marcos que nos
indicavam o caminho e também a partir de certa altura os quilómetros que
faltavam para o grande dia.
Umas
horas de sono, depois de um jantar de sonho (a fome era imensa, que qualquer jantar
era de sonho), retemperou as forças e as mentes. E toca a partir, natureza a
dentro com a noite ainda presente.
O
silêncio imperava e a caminhada era regulada pelos bateres dos cajados que
muitos de nós carregava.
As
aves acordavam com a nossa chegada. Olhávamos a inclinação do terreno logo bem
ao nosso lado seguindo o riacho que nos acompanhava durante alguns minutos.
Duas horas caminhamos ao som do matraquear dos cajados. Sem muitas conversas e inclinados para dentro do nosso, eu.
Duas horas caminhamos ao som do matraquear dos cajados. Sem muitas conversas e inclinados para dentro do nosso, eu.
O
caminho já percorrido mudou a nossa forma de ser. Agora éramos mais peregrinos
e mergulhávamos por largos momentos na fé que muitos procuravam como o sinal
esperado, desde que pusemos pés ao caminho.
Enquanto
caminhava recordei esta mensagem: “Não passes pelo caminho, deixa antes que o
caminho passe por ti…”
Esta
frase que ocupa o início do livro que sempre me acompanhou é o prenúncio do que
tentamos agarrar com esta caminhada. E a oração matinal do Peregrino de
Santiago, era o acordar para a busca do que procurávamos.
A pressa em chegar suplantou a necessidade em parar para recuperar forças.
Caminhei praticamente em silêncio num encontro comigo próprio, fazendo um balanço destes dias e preparando-me para entrar na Catedral, numa de agrupar e ao mesmo tempo extravasar a emoção de tudo aquilo que senti.
Caminhei praticamente em silêncio num encontro comigo próprio, fazendo um balanço destes dias e preparando-me para entrar na Catedral, numa de agrupar e ao mesmo tempo extravasar a emoção de tudo aquilo que senti.
E pronto!
Chegou a hora para avançar e entrar na praça, seguindo pela última vez o nosso
incansável líder.
Cantávamos
sem cessar embalados pelo entusiasmo de todos.
Foi lindo,
bem lindo. Esta nossa entrada!
As pessoas
que já se encontravam na praça, abriam alas e muitas delas de câmara de filmar
guardavam o testemunho à nossa passagem e oitenta almas cantando sem parar,
davam a primeira alegria a uma praça que não parava de se encher.
Entramos na
catedral a rebentar pelas costuras.
Eram
peregrinos dos quatro cantos do mundo e ocupamos os lugares das pessoas que já
se iam, esperando para assistir à grande Eucaristia, presidida pelo arcebispo
de Sevilha.
Foi com grande emoção que assistimos a uma nossa colega, ter o privilégio de ir ler a primeira leitura em português no meio de uma multidão onde os serviços em espanhol, galego, italiano, inglês e latim. ... Ditavam leis.
Foi com grande emoção que assistimos a uma nossa colega, ter o privilégio de ir ler a primeira leitura em português no meio de uma multidão onde os serviços em espanhol, galego, italiano, inglês e latim. ... Ditavam leis.
O prior
também assumiu um lugar no altar-mor, como merecimento por conduzir um grupo
volumoso com palavras de abrir os corações e cajado para impor as condições.
Grupo, esse, que iniciou esta cruzada respirando curiosidade e terminou-a
emocionado com a grandiosidade da fé.
A Eucaristia
caminhava para o seu final e mesmo o longo tempo que já tinha passado dentro
desta inigualável Catedral, não trazia cansaço algum, pelo contrário, era um
prazer partilhar estes belíssimos momentos.
O ponto
alto, ou seja mais um, é quando o gigantesco defumador é aceso.
Um ritual que ombreia com a visita a Santiago e que deixa todos de olhos em bico.
São momentos fantásticos assistir ao vai e vem, numa pequena distância que vai aumentando enquanto vai; subindo, subindo e subindo. Alcançando quase as duas extremidades da Catedral, bem por cima das nossas cabeças. Controlado por vários homens que lhe dão o movimento preciso para que ele alcance o objectivo pretendido.
Por fim regressa ao ponto de partida reduzindo a velocidade, enquanto desce no mesmo vai e vem com que iniciou a subida.
Um ritual que ombreia com a visita a Santiago e que deixa todos de olhos em bico.
São momentos fantásticos assistir ao vai e vem, numa pequena distância que vai aumentando enquanto vai; subindo, subindo e subindo. Alcançando quase as duas extremidades da Catedral, bem por cima das nossas cabeças. Controlado por vários homens que lhe dão o movimento preciso para que ele alcance o objectivo pretendido.
Por fim regressa ao ponto de partida reduzindo a velocidade, enquanto desce no mesmo vai e vem com que iniciou a subida.
É um regalo
e centenas de máquinas registam o maravilhoso momento.
Saímos para a praça e abraçamo-nos afectuosamente por esta Caminhada ter um fim tão apoteótico, que justificou de longe todo o esforço por que passamos.
Do início em Barcelos bem dentro do coração da Matriz, até aqui em Compostela, tudo estava terminado desta experiência memorável,dando por concluído este:
“Caminhando a pé para encurtar a distância
Saímos para a praça e abraçamo-nos afectuosamente por esta Caminhada ter um fim tão apoteótico, que justificou de longe todo o esforço por que passamos.
Do início em Barcelos bem dentro do coração da Matriz, até aqui em Compostela, tudo estava terminado desta experiência memorável,dando por concluído este:
“Caminhando a pé para encurtar a distância
Entre mim
e….
O meu Eu….
O dos
outros, o do outro….
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