terça-feira, 31 de julho de 2012

Os Caminhos de Santiago tão Presentes


Dois anos se passaram, depois de as portas da Matriz se abrirem à frescura da manhã, para iniciarmos com a energia toda de quem nem sonha para onde vai, a caminhada rumo a S. Tiago de Compostela.
Os primeiros quilómetros foram galgados como quem vai para uma festança.
 Conversa daqui, piada dali, lá rumávamos por caminhos ainda a cheirar ao asfalto, já que ainda estávamos em zonas muito habitadas.
As horas avançavam e o cansaço galgava o meu corpo.
Encontrava-me todo dorido!
Pudera, caminhei horas e horas. Em muitas ocasiões marchei e outras mais, acredito que talvez voasse. Para fazer perto de quarenta quilómetros por etapa, nas seis que precisava para chegar ao local da coroação.
 O calor queimava os neurónios, mas estava feliz. Acreditem, estou a ser sincero: mesmo feliz!
Calcorreava caminhos abertos pelo meio da serra, onde em fila indiana nos desviávamos das naturais dificuldades do percurso, salpicado de socalcos bem desnivelados, obrigando-nos a caminhar em ziguezague e subíamos com prazer o dorso da serra que mais nos aproximava de peregrinos.
A Natureza impunha-se, com o verde como cenário de eleição e sem vestígios de contacto humano, a não ser o do grupo. Caminhávamos carregados de prazer em ali estarmos e sentindo todos nós, a adrenalina da fé que todos procuramos em reencontrar.
A missa aproxima-se, o momento é de respeito e de oração!
Um adro de uma capela, pequena para tanta gente que se arrasta para uma sombra, depois de horas caminhando sob o sol abrasador. Obriga a improvisar a Cerimónia ao ar livre e num altar que faria Cristo saudar a beleza simples daquele espaço. Deu-se, início à Eucaristia, que ficou nos corações de todos os que assistiram.
A fé! O encontro com nós mesmos! A procura de um sinal! São momentos que os Caminhos de Santiago nos proporcionam.
Mas parar era” morrer”, então descemos o monte, onde nem aí corria brisa. Senti que Deus nos estava a pôr à prova todas as nossas capacidades.
Enquanto descíamos deslumbrávamos a baía de Vigo, que nos acompanha na descida e contemplávamos toda aquela imensidão de água.
Imaginei-me a saltar por sob o mato e descendo, descendo, de braços bem abertos, para terminar num mergulho prolongado de encontro aquela frescura….
E descendo e descendo, para a realidade, firmo os pés numa força para não dar uma queda de encontro ao fim de mais uma com um sorriso que me embala, lembrando-me uma sua célebre frase: “ A vida é uma arte”.
Toca a dar à perna e entrando novamente pelos campos, onde o milho é rei e senhor do verde semeado pelo homem. Algo esperava por nós e num céu que se mostrava manchado de nuvens brancas e negras vindas do lado do mar, a chuva apareceu para nos acompanhar todo o dia.
Primeiro, uns pinguinhos a desenhar formas no caminho, que a nossa mente sempre virada para o chão, tentava dar um sentido.
Depois certinha e miudinha. Obrigando-nos a colocar os impermeáveis e lá caminhamos meio indiferentes a este contratempo. Até demos graças, a Santiago (lá está o Santo a entrar no peregrino), porque refrescou o tempo.
 Haja fé gritávamos nós e lá enfrentamos os caminhos com água, entrando pelos campos a dentro para a evitarmos.
Subíamos carreiros de cabras com redobrada vontade. Caminhávamos por baixo de ramadas com as uvas ainda verdes, esperando por mais um mês, para amadurecerem e servirem para espremer o néctar tão suave durante a refeição.
A chuva não deixava muita margem para conversas e toca a seguir os marcos que nos indicavam o caminho e também a partir de certa altura os quilómetros que faltavam para o grande dia.
Umas horas de sono, depois de um jantar de sonho (a fome era imensa, que qualquer jantar era de sonho), retemperou as forças e as mentes. E toca a partir, natureza a dentro com a noite ainda presente.
O silêncio imperava e a caminhada era regulada pelos bateres dos cajados que muitos de nós carregava.
As aves acordavam com a nossa chegada. Olhávamos a inclinação do terreno logo bem ao nosso lado seguindo o riacho que nos acompanhava durante alguns minutos.
Duas horas caminhamos ao som do matraquear dos cajados. Sem muitas conversas e inclinados para dentro do nosso, eu.
O caminho já percorrido mudou a nossa forma de ser. Agora éramos mais peregrinos e mergulhávamos por largos momentos na fé que muitos procuravam como o sinal esperado, desde que pusemos pés ao caminho.
Enquanto caminhava recordei esta mensagem: “Não passes pelo caminho, deixa antes que o caminho passe por ti…”
Esta frase que ocupa o início do livro que sempre me acompanhou é o prenúncio do que tentamos agarrar com esta caminhada. E a oração matinal do Peregrino de Santiago, era o acordar para a busca do que procurávamos.
A pressa em chegar suplantou a necessidade em parar para recuperar forças.
Caminhei praticamente em silêncio num encontro comigo próprio, fazendo um balanço destes dias e preparando-me para entrar na Catedral, numa de agrupar e ao mesmo tempo extravasar a emoção de tudo aquilo que senti.
E pronto! Chegou a hora para avançar e entrar na praça, seguindo pela última vez o nosso incansável líder.
Cantávamos sem cessar embalados pelo entusiasmo de todos.
Foi lindo, bem lindo. Esta nossa entrada!
As pessoas que já se encontravam na praça, abriam alas e muitas delas de câmara de filmar guardavam o testemunho à nossa passagem e oitenta almas cantando sem parar, davam a primeira alegria a uma praça que não parava de se encher.
Entramos na catedral a rebentar pelas costuras.
Eram peregrinos dos quatro cantos do mundo e ocupamos os lugares das pessoas que já se iam, esperando para assistir à grande Eucaristia, presidida pelo arcebispo de Sevilha.
Foi com grande emoção que assistimos a uma nossa colega, ter o privilégio de ir ler a primeira leitura em português no meio de uma multidão onde os serviços em espanhol, galego, italiano, inglês e latim. ... Ditavam leis.
O prior também assumiu um lugar no altar-mor, como merecimento por conduzir um grupo volumoso com palavras de abrir os corações e cajado para impor as condições. Grupo, esse, que iniciou esta cruzada respirando curiosidade e terminou-a emocionado com a grandiosidade da fé.
A Eucaristia caminhava para o seu final e mesmo o longo tempo que já tinha passado dentro desta inigualável Catedral, não trazia cansaço algum, pelo contrário, era um prazer partilhar estes belíssimos momentos.
O ponto alto, ou seja mais um, é quando o gigantesco defumador é aceso.
Um ritual que ombreia com a visita a Santiago e que deixa todos de olhos em bico.
São momentos fantásticos assistir ao vai e vem, numa pequena distância que vai aumentando enquanto vai; subindo, subindo e subindo. Alcançando quase as duas extremidades da Catedral, bem por cima das nossas cabeças. Controlado por vários homens que lhe dão o movimento preciso para que ele alcance o objectivo pretendido.
Por fim regressa ao ponto de partida reduzindo a velocidade, enquanto desce no mesmo vai e vem com que iniciou a subida.
É um regalo e centenas de máquinas registam o maravilhoso momento.
Saímos para a praça e abraçamo-nos afectuosamente por esta Caminhada ter um fim tão apoteótico, que justificou de longe todo o esforço por que passamos.
Do início em Barcelos bem dentro do coração da Matriz, até aqui em Compostela, tudo estava terminado desta experiência memorável,dando por concluído este:
“Caminhando a pé para encurtar a distância
Entre mim e….
O meu Eu….
O dos outros, o do outro….

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