domingo, 26 de abril de 2009
Tambem Fui Militar Mas não Herói (1)
Muito ouvi da comemoração da revolução onde os militares foram os heróis nacionais e lembrei-me que também fui militar, uns bons anos depois da Revolução. E vou recordar a minha odisseia militar e as vicissitudes daí inerentes.
Santa Margarida foi o meu destino, local de grandes apreensões. É uma base de tropas especiais, eu pertencia à quarta bataria, (o termo é mesmo este) onde lidava com os blindados.
Era uma base ligada à NATO (força de defesa europeia) e, como tal, estávamos sempre prontos para qualquer eventualidade. E para que essa eventualidade ao surgir não nos apanhasse desprevenidos, juntavam-se tropas de outras zonas do país para as manobras militares e, durante algum tempo a zona imensa de pinhal da Base, era o local de treino dos exercícios Militares.
As regras imperam, a disciplina é a base do dever cumprido. Tudo o que se respira num quartel é sinónimo de deveres!
O único direito que temos é cumprir os deveres instituídos. É seguir a disciplina à risca, para a curto prazo fazer prevalecer o nosso valor perante os superiores e ganhar a estima deles. E com isso as benesses são uma realidade. E a realidade é passar o tempo militar da melhor forma possível, sem arranjar problemas e esperar que o tempo corra, corra. Para terminar com dignidade ciente de que cumprimos a nossa missão para o bem da Nação.
O começo do dia nascia com os primeiros raios solares!
A barba desfeita, cama bem-feita com a roupa bem esticada. Uniforme limpo e apresentável com as célebres botas a brilhar, para a correr e sem atrasos alinhar na formatura.
Momentos depois éramos presenteados com os exercícios militares. Qualquer falha era o cabo dos trabalhos, os castigos em triplicado nos enchimentos eram constantes principalmente para as “Amélias”. Nome dado aos menos capazes, mas com o tempo ombreavam com os mais dotados.
As refeições, (o bicho papão de todos os militares! Mesmo antes de entrarmos no quartel já vamos de sobreaviso de que as refeições, são mal confeccionadas e de pouca qualidade). O comportamento no refeitório é rígido e sem reclamações, ou se comia o que estava no prato, o que diga-se em abono da verdade qualquer estômago suportava, ou o bar servia de complemento para aqueles que deixavam as refeições a meio.
E por fim era a hora de recolher, o silêncio era de ouro! A maioria dos dias de tão cansados e saturados adormecíamos num piscar de olhos, principalmente durante a recruta. O quebrar era a morte do artista! Ninguém dormia, assistíamos ao nascer do dia na parada seminus a fazer ordem unida.
A adaptação a todo este sistema era custosa nos primeiros dias, devido á complexidade que envolvia esta brusca mudança. Porque não é de um momento para o outro, que eu passava de um certo descontrair na minha vida civil, para regras rígidas e sem argumentação.
E de facto levei um certo tempo a me adaptar, devido principalmente à minha preocupação em defender os mais” fracos”.
A tropa é fértil em conquistar amigos e eles apareciam, muitos. Mas amigos de verdade, uma mão deve chegar para os contar.
Mas de uma mão só completei quatro dedos. Os suficientes para preservar os amigos com quem se partilha o que nos vai na alma. Havia alturas que as saudades das namoradas principalmente, apoderava-se de nós e juntamente com umas cervejolas chorávamos como umas crianças, que bem lá no fundo continuávamos a ser e despejávamos cá para fora sentimentos e preces que quebravam qualquer coração mesmo o mais gelado que possa existir.
O desenrasque nos transportes de comboio, era a situação mais terrível que se possa imaginar, quando o objectivo era chegar a casa o mais rápido possível, ou o ter que chegar a horas ao quartel.
Viajei poucas vezes de comboio, porque utilizava o carro de um colega da minha companhia.
Mas dessas esporádicas vezes, o viajar nos comboios era: dormir nos corredores, o dormir nas grades, o dormir a pé. O passar as horas todas, cerca de seis sem dormir e olhar para o vazio da noite meio a chorar pedindo a Deus para que tudo isto passasse depressa. No Inverno era um inferno, o frio cortava-me a lucidez e passava a viagem a tremer. No Verão, era o martírio do calor e o cheiro ao mofo impediam-me de respirar, dado os comboios irem a abarrotar.
No percurso de carro que fazíamos, onde saiamos por volta das cinco e trinta da manha e só parávamos três horas depois numa pastelaria em Fátima bem pertinho do Santuário, para tomarmos o pequeno-almoço e apreciar as miúdas, que iam para a Escola Secundária.
Diversas vezes, deslocava-me ao Santuário, nessa hora sem viva alma.
Colocava-me bem no meio de todo aquele espaço enorme, completamente só! Contemplava a Basílica e imaginava, toda aquela área atolada de milhares de fiéis, com todo aquele espectáculo de fé, nos dias de comemoração do aparecimento de Nossa Senhora. E eu nesse momento rodeado de uma solidão tão sagrada, bem no meio daquele assombroso local, pensava nos milhões de fiéis que já calcaram este recinto que, digam o que disseram; tem uma magia pura! Uma magia de Fé! Uma magia de amor a Nossa Senhora e ao próximo!
Já fui a Fátima diversas vezes, com muita gente. Mas sinceramente, só quando ia lá e estava completamente só, é que sentia toda a força, todo o poder da Fé. Que aquele lugar emana.
Os fins-de-semana passados em serviços de manutenção e segurança ao perímetro. Local que envolve toda a zona da unidade, corroíam a minha mente!
O tempo não passava! Parecia o caracol, quanto mais andava, mais a sensação que ficava era que estava sempre no mesmo sítio.
A noite era o inferno: No Inverno o frio rachava os ossos, punha os dedos como cabos de fisgas em minutos se os libertasse dos anoraques e quando chovia ficava encharcado dos pés à cabeça.
No Verão era a alucinação! Calor por todo lado, mosquitos zelosos pelo meu sangue, até pela roupa entravam, sacudia-los como os burros fazem, tamanho o desespero de picada em cima de picada.
A rotina dos dias era sempre idêntica e só se alteravam quando surgisse alguma cerimónia de comemoração.
Então, era uma azáfama, tudo tinha que estar em ordem porque o dia do Exército era presidido pelo Presidente da Republica. No dia da Base seria o Ministro da Defesa e no dia da Unidade, o Chefe do Estado-Maior do Exército.
A meio do serviço militar fui promovido a Cabo, um posto um pouco superior ao de soldado. O vencimento era mais alto e no meio dos soldados, um cabo já ocupa um degrau um pouco mais acima e sempre tem mais regalias. Mas nada de significativo, que na prática pouco relevo tem.
Mas o melhor estava para vir!
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